Terminei a última crônica referindo-me brevemente a Pedro Neto, o Netinho, dono do Peter’s Bar, no Centro de Tibau, onde “encontro paz e tranquilidade nas conversas com a turma antiga”. Menos de uma linha, como se percebe, mas o bastante para chamar a atenção de leitores atentos – e curiosos – que não param de me cobrar maiores informações sobre o dito cujo.
Pensando bem, é injusto – e até egoísta – mantê-lo escondido como detalhe de um texto qualquer. Por ser um cara sensacional e pelo tempo que ele, a mulher e os filhos suportam a mim e a outras figuras exóticas que se abancam no seu território para comer, beber e jogar conversa fora durante horas e horas, sem se preocupar com inconveniências etílicas, Netinho merece crônica exclusiva.
Somos amigos há tantos anos que nem me lembro como começou. De nossas conversas, envolvendo interlocutores do naipe de Cadu, o homem da supermemória, e de Caga na Lata, o poliglota, muitas histórias acabaram nas páginas do O Mossoroense. Falando nisso, também não faltam jornalistas no Peter’s, a exemplo de Ciro Ney e Sérgio Oliveira, sem dizer do fotógrafo das estrelas, Ricardo Lopes.
Certa feita, por ironia do destino, esbarraram por lá, o artista plástico, poeta, piloto de parapente e atleta de giroscópio, Laércio Eugênio, e sua musa, empresária e botadora de juízo, Arlete Cavalcante. Estavam cansados depois da longa caminhada de mais de duas horas, de Areias Alvas à Pedra do Ceará e da Pedra do Ceará ao Centro de Tibau, pela subida de doutor Rosado Cantídio.
Quando entraram na Rua do Tubarão, alguns metros depois da igreja, deram de cara com Netinho, que abriu logo o sorriso e, com a simpatia de sempre, puxou as cadeiras a fim de que se sentassem. Laércio e Arlete não o conheciam e, para completar, tinham deixado o dinheiro na casa de João Batista, o psiquiatra de Jesus, que os hospedava. Mesmo assim, Laércio perguntou se podia beber uma cerveja. Fiado.
Uma cerveja que nada! Netinho escancarou as portas do bar, reativou a cozinha. Foi cerveja, água, pizza, refrigerante, do final da tarde até aproximadamente a meia-noite. Como não havia mais táxis, pela proximidade da madrugada, o dono do bar ainda viabilizou – e avalizou – dois mototáxis para levar o casal até Areia Alvas, longe feito a bexiga taboca, onde os psiquiatras se refugiam.
Ao se despedirem, impressionados, Laércio e Arlete, cada qual no seu mototáxi, agradeceram pela confiança naqueles “dois estranhos”, e a resposta veio na bucha: – Desconhecidos, não! Você é Laércio Eugênio, artista plástico, amigo de Cid Augusto. E amigo de Cid é meu amigo. Enfim, a viagem deu certo. Os mototaxistas foram e voltaram da corrida pagos e com o pagamento da pendura.
Netinho é o cara! Gentil, simpático, solidário, amigo dos amigos e dos amigos dos amigos. Não sai do sério por nada neste mundo, nem por cem e uma cocada. Parece o Buda nos jardins de Jetavana. O mundo desaba e ele, impávido, sentado na calçada oposta à do Peter’s, em uma cadeira dobrável virada para trás, para que o encosto sirva de escora para os seus braços longos.
Às vezes, nem chego ao bar, sento-me diretamente na calçada, do outro lado da rua, e a conversa flui sem roteiros, sobre tudo, sobre nada. Ou quase tudo. Ou quase nada. De repente, ele puxa religião, filosofia, literatura, o que der na telha. Só não tratamos de política, a não ser as trivialidades da temática. Pedro é um sujeito culto, virtude que se amplia em sua enorme humildade.
Quem passa pela rua do Brisa, de carro, moto, bicicleta, a pé, acena, grita, cumprimenta com alegria. A resposta é sempre um sorriso sereno e um gesto simpático com as mãos espalmadas para o alto. Conhece as pessoas pelo nome, qualidade que invejo. E eu ali de lado, morrendo de alegria de ser amigo dessa figura. Netinho é, sem dúvida, o melhor de Tibau, o dono da crônica.
Ao fim e ao cabo – chique, não é?... “ao fim e ao cabo”... aprendi com Dorian Jorge Freire –, um apelo do fundo do coração: pelo amor de Nossa Senhora das Bicicletas, não se aproveite destas informações privilegiadas para fazer vale em meu nome no Peter’s Bar. Minha triste condição de “liso estável”, como diria Carlos Santos, não me permite bancar nada além do meu uísque barato.