domingo, 17 de janeiro de 2016

TERREMOTO



Falaram na TV em terremoto sei lá onde, na tal da escala Richter, e imediatamente me lembrei de Luiz Maria Alves, falecido ex-diretor dos Diários Associados do Brasil no Rio Grande do Norte. Estive com ele em dezembro 1986, acompanhando meu pai à sede do poderoso e temido Diário de Natal/O Poti, justamente na época em que a terra andou tremendo para as bandas de João Câmara.

O velho jornalista nos recebeu na companhia do grande Evaristo Nogueira, que deixara os microfones da Rádio Tapuyo de Mossoró, onde trabalhava desde o início de sua carreira no ano em que nasci, 1971, para narrar futebol e fazer comentários esportivos na mídia natalense. Vavá Maravilha, há anos em Fortaleza, foi também vereador, três vezes, e numa delas presidiu o nosso Legislativo.

Seu Alves, uma figura interessantíssima. Talvez fosse, naquela época, o homem mais poderoso do Estado, versão potiguar de Assis Chateaubriand, e mesmo assim fez questão de nos levar pessoalmente a todas as dependências do jornal. O detalhe é que apontava cada coisa que julgava importante mostrar com um revólver calibre 22, niquelado, que de vez em quando sacava do bolso da calça.

Na volta à sala da diretoria, servido licor, meu pai perguntou sobre os terremotos de João Câmara. Era madrugada quando o abalo sísmico de magnitude 5.1 danificou cerca de três mil casas nos arredores de seu epicentro, venceu a distância de quase oitenta quilômetros e se fez sentir em Natal. Eu assistia TV deitado na sala do apartamento que tínhamos no condomínio Vila Romana. Susto da porra.

Cometi a gafe de me intrometer no assunto: “Li no Correio Braziliense – que meu avô trazia quinzenalmente da Capital Federal – que no Japão os prédios são construídos sobre molas, para neutralizar o impacto dos terremotos”. Na hora, ninguém deu cabimento. À tarde, porém, toca o telefone. De lá, a pessoa identifica-se, “É do Diário de Natal”, e pede que eu espere enquanto transfere a ligação.

Atende Evaristo Nogueira, querendo me entrevistar. Luiz Maria Alves, segundo ele, impressionara-se com os “conhecimentos” do “menino de Mossoró” sobre “engenharia japonesa”. Gelei, o Diário era o “Diário”, e sempre fui reservado, além de muito tímido. Para piorar, sabia nada afora o que lera por acidente. Daí, recusei-me a dar a entrevista, mas carrego até hoje o convite no currículo.

domingo, 10 de janeiro de 2016

LEMBRA DE MIM?


Escrevi certa vez sobre a dificuldade que tenho de memorizar nomes próprios – e fisionomias também, mas em menor proporção. Não raro, entro em terríveis saias justas quando encontro pessoas das quais até recordo, sem, contudo, a generosidade estratégica dos “detalhes”.
Para agravar as consequências da leseira crônica que me habita desde menino, não sei mentir, o que, em determinadas situações, pode ser defeito tão ou mais terrível quanto essa amnésia. Se alguém faz a sacanagem de perguntar “lembra de mim?”, respondo a verdade. Na lata!
Sou sincero. Há cerca de 10 anos, possuí um carro velho que dava o prego de metro a metro. O bicho enganava bem, era bonito, parrudo e tinha charmoso sotaque russo. Por isso, atraiu muitos compradores no instante em que abdiquei do masoquismo, anunciando sua venda.
Todo mundo pegava bandeira. O problema é que, ao indagar sobre manutenção, consumo, desempenho, a resposta era objetiva: “Excelente para quem aprecia dor de cabeça”. Até que um doido comprou o bicho e ainda voltou, meses depois, para relatar a “felicidade” com o negócio.
Recentemente, uma jovem adicionou-me aos seus amigos do Facebook e, de cara, lançou o questionamento: “Lembra de mim?”. Cutuquei a memória, revirei os perfis da figura nas redes sociais. E necas de pitibiriba. O jeito, então, foi assumir: “Infelizmente, não. Mil perdões”.
A figura insistiu: “Vc conhece Beltrana?”. Pausa, pesquisa, neurônios em parafuso. Negativo. Aí veio a lapada: “Vc foi muito mal-educado”. Repeti as desculpas, tentei explicar, sem sucesso: “Está desculpado. Somos obrigadas a conviver com gente assim… infelizmente”.
No mesmo dia, fui a uma festa com minha mulher, que sempre me salva com a questão dos nomes. Em determinado instante, ela se afastou para cumprimentar alguém, deixando-me à mercê desta memória lascada, ocasião em que um colega se chegou com um desconhecido.
Depois de me abraçar, o tal amigo apontou para o cara ao lado e fez a pergunta cruel: “Lembra de Fulano?”. Ora, ressabiado com o carão de há pouco, falei “sim”, sem pestanejar, realçando o i e o eme, algo como “Siiiimmmm!”, na vã expectativa de evitar o constrangimento.
O sujeito, no entanto, não se fez de rogado: “Mentira! Você não me conhece nem conheço você”. Três uísques para engolir a segunda porrada, por motivos opostos da primeira, e a consciência ficou tranquila, porque, se vier a reencontrá-lo, dizer que não recordo será verdade.