quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Peia, la ursa!



Todo ano, entre janeiro e fevereiro, os ursos saem das tocas e invadem a periferia de Mossoró.

Os bairros ditos nobres há muito baniram de suas ruas essa tradição cuja origem possível, segundo me ensinou mestre Deífilo Gurgel, está nos ciganos europeus que adestravam ursídeos e os fazia dançar em lugares públicos, em troca de dinheiro. Bastava o comando “Dança, la ursa!” para os bichinhos caírem no frevo.

Quando o Rabo da Gata nem sonhava ser Nova Betânia, o bum-bum-baticumbum-burum-bum-bum anunciava a passagem das trupes na busca dos incentivos culturais necessários ao porre do dia.

Muita gente entrava em desespero. Crianças e até adultos pelavam-se de medo daquelas figuras cobertas de estopas, mas quem enfrentava as feras, posso garantir, divertia-se bastante - nem que fosse à custa dos fujões.

Na última segunda-feira, tomando um cafezinho coado no pano por dona Teresinha, sogra de Hédimo Jales, na companhia desse cidadão conhecido como Capitão Caverna e do professor Odaci Fernandes, aprendi que ursos também entram em pânico, pelo menos os do subgênero chifranossomo corneae.

Verdade, garante o Capitão, “ur sujeito” cobriu-se de farrapos, mascarou-se, juntou gente no percurso e rumou à casa da ex-mulher que supostamente o havia traído.

No caminho, alguém percebeu as pontas da vingança latejando na cabeça do animal e o denunciou.

A turma, quase cúmplice involuntária de assassinato, revoltou-se. Foi cacete em banda de lata. Era o filho de Judas correndo, pulando, gemendo, e a galera gritando “Peia, la ursa! Peia, la ursa...”.

O sujeito sobreviveu - registre-se para alívio dos folcloristas - e ainda brilhará em compêndios culturais por revelar ao mundo a lenda do urso chifrudo.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Areias coloridas



A garrafinha de areia colorida custou-me R$ 6,00. Preço singelo para uma obra de rara beleza. A casinha, o coqueiral, as dunas, o céu, o mar. O artista anônimo merece todos os elogios.

Meninos, eu e meus amigos saíamos pelos morros - o morrinho, o das sete cores, o labirinto - com palitos de coqueiro e vidros vazios de bebida ou tempero. Era o maior barato fazer ondinhas com terras vermelhas, amarelas, azuis, róseas, sempre ornadas com estactites.

Ah, o preto, o prata e um verde escuro conseguíamos à beira mar.

Desenho nenhum, que ninguém do grupo nasceu com o necessário talento. Mesmo assim, vendíamos o produto de nosso artesanato aos tios, revertendo o lucro em picolé e insumos para construção de pipas.

Nem sei onde os artesãos contemporâneos adquirem matéria-prima. Há anos, ouvi de Josefina, inventora dessa arte, que ainda era possível extrair tais insumos em quintais de casas construídas nos morros outrora livres, imponentes, hoje domados e humilhados pela civilização.

Tibau perdeu o matiz, roubaram-lhe sem dó nem piedade. O colorido que se envazilha para deleite de visitantes e saudosistas deve ser na maioria fabricado.

Bons tempos que a devastação arrancou dos nossos filhos e sobre os quais os nossos netos lerão com certa desconfiança.

Leitora indignada



"A ‘farofa’ de Lula”, comentário publicado em Notas da Redação na última quarta-feira, vem dando o que falar. O texto aposto à fotografia na qual o presidente da República aparece transportando um isopor na cabeça, no litoral da Bahia, é alvo de rusgas e elogios. Elda Alves, por exemplo, escreveu de São Paulo à direção do jornal criticando a coluna que, segundo ela, além de grosseira com os senadores Arthur Virgílio (PSDB/AM) e José Agripino Maia (DEM/RN), tratou os leitores como ignorantes, especialmente ao dizer que o gesto do Filho do Brasil denota humildade. Fazer-se de farofeiro na praia, afirma a missivista, não é prova de modéstia, especialmente se nos lembramos de que no último encontro do G-20, na Inglaterra, enquanto Barack Obama hospedou-se na embaixada do seu país, Lula optou pelo Rayd Park Hotel, o mais caro da Grã-Bretanha. Elda declara, por fim, que o redator deve pensar antes de escrever absurdos, pois há vida inteligente do outro lado do balcão. Discordo em parte, porque considero Lula um homem simples, mas também não entendo o que diabos o isopor tem a ver com isso nem a necessidade da referência a Virgílio e Agripino. Importante, contudo, é o debate.

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Questão de lógica



A Casa de Saúde Dix-sept Rosado e a Maternidade Almeida Castro não podem receber pacientes sequer com suspeita de contágio pelo vírus H1N1. A lógica é simples: além dos renais crônicos e dos pacientes da cirurgia cardíaca, o complexo hospitalar atende cerca de 100 grávidas por dia, que chegam a fim de dar à luz ou fazer pré-natal. Para completar, sem esquecer as crianças do berçário e da UTI neonatal, algumas daquelas mulheres, oriundas de vários municípios potiguares, do Ceará e da Paraíba, enfrentam gestações de alto risco. Em todos os casos, a gripe A pode ser fatal. Laudos médicos afastando o perigo de transmissão devem ser vistos com muita cautela, pois os esforços da ciência ainda não decifraram a complexidade da doença. Interessante, portanto, advogados de pessoas infectadas por esse monstro apelidado de gripe suína refletirem antes de pleitear amparo jurisdicional objetivando interná-las em lugares impróprios, expondo centenas de seres humanos a risco de morte. Mais importante ainda é o magistrado, frente a situações semelhantes, ouvir as ponderações controversas antes de prolatar sua decisão, mesmo que as evidências técnicas lhe pareçam irrefutáveis.

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Viagra em promoção



O jornalista Carlos Heitor Cony escreveu na “Folha de São Paulo”, em meados de 2003, que seria “superdotado, com um equipamento de alguns metros de tamanho e a circunferência de um CD”, caso seguisse as fórmulas milagrosas recomendadas via Internet para aumentar o pênis. São milhares de e-mails diários, todo mundo os recebe, homem, mulher, alternativo. Entre as promessas, esticar o dito-cujo em até cinco centímetros. Por semana! Outras tantas mensagens, talvez complementares, oferecem produtos farmacêuticos, tratamentos psicológicos, métodos fitoterápicos e guias de exercícios contra impotência. A filosofia é a seguinte: tamanho sem funcionalidade não põe mesa. Suzana Alves, a Tiazinha, jura preferir “um pequeno brincalhão do que um grande bobão”. Ops, registro minha candidatura. A oferta do momento, acabo de recebê-la, ainda rotulada como “oportunidade natalina”, Viagra com 80% de desconto no cartão de crédito, entrega discreta, satisfação garantida. Já programei o antispam diversas vezes para não receber promoções mentirosas, afinal estou feliz com as modestas armas das quais disponho. Ixe, e se faltar assunto? Melhor liberar o fluxo do correio eletrônico, para caso de necessidade.

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

De país a continente



Os ocupantes do Palácio da Resistência usam uma frasezinha simpática, na qual se afirmava "Mossoró está crescendo, só não 'ver' quem não quer". Até sábado último, assumo constrangido, pedindo perdão a Nossa Senhora das Bicicletas, eu não enxergava o crescimento. A chuva de domingo, no entanto, lavou-me os olhos ateus e, desde então, glória ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo, vejo o quanto a tribo monxoró avança: para o caos! E a passos largos! Nos primeiros sinais do período chuvoso, problemas e mais problemas das regiões ditas nobres à periferia. Nas imediações da falecida Lagoa do Bispo, afogando o peito altivo do Nova Betânia, residências invadidas, Polícia Federal ilhada, comércio paralisado. João da Escóssia e José Damião intrafegáveis àquelas alturas. Nas favelas, a do Fio com maior intensidade, casas “na chon”, famílias desabrigadas, risco iminente de doenças, prejuízo, choro, ranger de dentes. Sem necessidade, é claro, pois infraestrutura é ponto forte do governo, que nem São Paulo, diz a propaganda. Resta-nos, então, reconhecer que o País de Mossoró cresceu, agora é continente, a Atlântida do semiárido.