sábado, 26 de dezembro de 2009

2009 foi bom?



Espero que a resposta seja positiva. Se o ano velho aqui e acolá lhe pareceu insensível, pisando seus sonhos, é hora de juntar os pedaços, reunir forças, seguir em frente e, se for o caso, retomar a vida. Permanecer na mesma, como diz Raul Seixas, “esperando a morte chegar”, não faz sentido.

Aconteceram percalços, enterrei amigos, senti o frio da trapaça, desiludi-me com gente, deparei-me com barreiras altas demais para minhas possibilidades de salto. Houve, contudo, passos em terras férteis, a perpetuação da memória, o calor da lealdade, a esperança no próximo e a coragem de retomar a luta, feito a água mansa que devora o rochedo imponente.

O saldo é positivo. Está escrito pelo tempo no rosto da avó, nas rugas dos tios, no exemplo dos pais, na firmeza dos irmãos, na paixão da companheira, no sorriso de cada filho, nos fios jovens de cabelo branco que adornam o espelho. Por isso, declaro-me otimista com a próxima revolução da Terra em torno do Sol.

Pompeu, evocado em Pessoa, garante aos marinheiros: “Navegar é preciso; viver não é preciso”. E o poeta, reinventando-se em tantas faces e facetas, complementa: “Viver não é necessário; o que é necessário é criar”, fazer algo grande, universal, ainda que seu corpo e alma sejam “a lenha desse fogo”.

Recebo energias do vento que balança a rede e das cores da terra que hipnotizam o verão, no templo imaginário construído entre o morro e o mar, disposto a começar ou recomeçar, conforme o caso ou a necessidade, sonhando ser a fogueira acesa nas orações do profeta lusitano.

Eis-me aqui, prezados amigos, ilustres equivocados, de pé e à ordem, esperançoso por mim e por você, desejando um ano-novo nota 2010 para nós e nossas famílias. Até lá!

sábado, 19 de dezembro de 2009

Saudade das pirocas verdes



Tornou-se uma espécie de tradição natalina tão importante quanto o peru, a árvore, a estrela, os presentes, o Papai Noel. Sempre no início de dezembro, milhares daqueles seres extraterrenos conhecidos como pirocas verdes vinham ao planeta Terra exclusivamente para visitar Mossoró. Chegavam de mansinho, sem fazer barulho, e, quando se percebia, estavam por toda parte, estacionados nos postes da iluminação pública.

Da primeira vez, em função da surpresa, de alguma dose de xenofobia e do medo, a galera reagiu, mas as pirocas verdes, jeitosas, foram penetrando e passaram a gozar de confiança ampla, geral e irrestrita.

Receberam inclusive as chaves do município das mãos da prefeita e o título de cidadania coletiva outorgado pela Câmara Municipal. Choveram convites para entrar no Rotary, na Maçonaria, para frequentar os bailes da AACDP, o Copão, para se converter ao catolicismo, ao protestantismo, ao espiritismo.

Em 2009, apesar de tantos mimos, as criaturinhas simpáticas não deram as caras. As ruas ficaram sem cor, sem vida. E as pessoas começaram a se perguntar: “O que fizemos de errado?”, “Nossas amiguinhas encontraram outro lugar mais quente e úmido onde se alojar durante o período de festas?”, “Por que não escrevem, não telefonam?”.

A imprensa smurf chegou a especular que a culpa era de setores oposicionistas estimulados pela mídia marrom. Inquilinos do Palácio da Resistência, indiferentes à comoção provocada por um final de ano despirocado, limitaram-se a dizer “está tudo azul”.

A verdade, contudo, acaba de ser divulgada, de forma estarrecedora, em blogs e twitters clandestinos, graças a escutas intergaláticas que a “puliça” fez com autorização judicial nos telefones da Gerência de Cultura.

Diálogos entre expoentes do povo piroca e servidores da repartição revelam que a culpa é dos amarelinhos. Anh!... de quem? Deles mesmos. Ao lerem em Notas da Redação, coluna do jornal O Mossoroense, a notícia segundo a qual os chefes do setor de trânsito haviam orientado seus agentes a botar para quebrar no talonário de multas, os visitantes extragês desfizeram as bagagens e cancelaram a viagem.

Claro, porque estacionar em poste, embora com autorização da Cosern, é crime previsto no artigo 2.424 do Código de Trânsito, pecuniariamente punível. Assim, temendo o prejuízo, além do recolhimento das espaçopenisnaves aos fundos da prefeitura, no famoso carro-guincho de setenta contos, as pirocas verdes deixaram nosso Natal às escuras. Que saudade!


PS: se você não conhece o início da história, vide "A invasão das pirocas verdes".

sábado, 12 de dezembro de 2009

P/ Jerônimo Augusto, um beijo tão grande



Engraçado, Jerônimo Augusto assistindo ao DVD “Noites de Gala, Samba na Rua”, no qual Mônica Salmaso interpreta Chico Buarque, acompanhada do grupo Pau Brasil. Sim, porque o cabrito só tem um ano e três meses e fica ali, paradão, especialmente nas faixas “Ciranda da bailarina” e “O velho Francisco”, como se fosse gente grande. Tem mais: ninguém ouse atrapalhá-lo naquele instante de deleite musical.

Todo dia, como se saltasse dos versos de “Cotidiano”, ele faz tudo sempre igual, embioca no quarto e me sacode às seis horas da manhã, ao meio-dia e às seis da tarde, aperta que aperta os botões do controle remoto, faz beicinho, protesta em nenês antigo, língua dificílima para os adultos normais, que eu, com modesta insanidade, domino sem problemas. Se o tudo não bastar, a mãe entra em cena e liquida a fatura.

Passava das 14 horas, quando cheguei ao apartamento na última terça-feira. Comi o de sempre, um bife de peito de frango, duas colheres de cuscuz, duas de arroz, quatro de feijão, e despenquei nos braços da santa sesta. Deu para perceber, “alguém” me seguia desde a cozinha, tentei dissimular, não funcionou, reagi então dizendo com firmeza: “Hoje não tem historinha de Mônica Salmaso, vou assistir ao jornal”.

Liguei a TV e, hum, quem estava lá? A dita cuja anunciando presença no projeto Nação Potiguar, em Natal, por volta das 19h30, após Diogo Guanabara e Macaxeira Jazz. Agarrei a mulher pelo braço, dei cangapé no moleque, deixando-o com uma tia, afinal a idade ainda não o habilita a extravagâncias, e metemos os pés na BR-304, mesmo sem qualquer sinal de onde e de que modo conseguiríamos os ingressos.

A entrada era franca. Havia, contudo, a necessidade de retirar os tíquetes numa empresa da capital. Ao fim e ao cabo, deu certo, graças às interferências de Luciano Lellys, nosso repórter fotográfico, e de Jô Lopes, colaboradora do O Mossoroense. Valeu a pena o risco, o feitiço, o sacrifício, a viagem repentina, o cansaço, as dores, a nota ruim na prova da quinta-feira, pois a alma, um dia apequenada, fez-se enorme.

Minha gordinha e eu descobrimos Mônica Salmaso quando assistíamos ao documentário “Vinicius”, num cinema natalense. Nesse filme, dirigido por Miguel Faria Júnior, a moça interpreta a música “Canto Triste”, de autoria do homenageado, o poeta Vinicius de Moraes. Algum tempo depois, ela apareceu para alegria e graça dos nossos ouvidos, entoando a canção “Imagina”, no CD “Carioca”, de Chico Buarque.

O galego a descobriu na barriga da mãe, se não mentem os pediatras ao jurarem de pés juntos, mãos postas e olhos rútilos que os bebês ouvem tudo a partir de determinada fase da gestação, destacando o efeito calmante da musica. Não teve o privilégio de aplaudi-la pessoalmente, ao nosso lado, mas ganhou um CD autografado pela cantora, com dedicatória exclusiva: “P/ Jerônimo Augusto, um beijo tão grande”.

sábado, 5 de dezembro de 2009

Metáforas da saudade



Antes de compreender a geografia do semiárido, na qual se encaixa Mossoró, o sertão para mim se resumia ao Junco. Naquele município, oficialmente chamado Messias Targino, hospedava-me na fazenda Salobro, pertencente a Seu Genuíno e Dona Basílica, ambos de saudosa memória, conduzido por Tasso e Elizenir, genro e filha do casal, pais de meus primos Frediano e Gregório.

Água friinha do pote para o caneco de alumínio e do caneco de alumínio para a boca, coalhada, leite no curral, cavalos, cercas de pedra, banhos de açude, casas e juazeiros mal-assombrados, vaqueiros destemidos, as presepadas de Moió, Pompeu e Janúncio, a vaca de bezerro novo que me fez arrancar a unha do dedão do pé esquerdo numa carreira desatada pelo medo, a moça bonita.

Os Jales são numerosos e acolhedores. As residências, na cidade e no campo, estavam sempre cheias, especialmente nas férias e feriadões, quando parentes que moravam em outros lugares voltavam ao aconchego do lar, fortalecendo os laços e as tradições. Nós, crianças, fazíamos a maior algazarra. Fosse seca, fosse inverno, brincávamos desde o cantar do galo aos templos de Morfeu.

Rememoro tantos momentos alegres, a partir de uma notícia que me partiu o coração: a morte da professora Elza Jales Diniz, em desastre ocorrido no último dia 1º, na RN-117, entre as cidades de Governador Dix-sept Rosado e Caraúbas. Figura boníssima, alegre, cordial, sempre disposta a ajudar o próximo, exemplo de dedicação ao magistério e à terra natal, além de querida por todos.

Não tive contato com ela nos últimos anos. Sabia do Junco e de sua humanidade graças aos relatos feitos por Hédimo Jales, o intrépido Capitão Caverna, mas o bem-querer nunca se perde na distância nem se curva aos caprichos do tempo. Assim, em nome da velha admiração, dedico a Elza e seus familiares, as boas lembranças colecionadas nesta crônica, como metáforas da saudade.