sábado, 24 de janeiro de 2015

Infinito



(Álvaro de Campos – 1934)
Há sem dúvida quem ame o infinito.


Certa feita sonhei que estava escrito
No raio da estrelinha mais distante,
Branquinha que nem ágata, brilhante,
O segredo das curvas do infinito.

Tentei me aproximar por dez segundos
E li, mesmo de longe e de repente,
Engolidos num rastro de serpente,
Dois símbolos na língua de outros mundos.

Um, representa “amor”; o outro, “vida”,
Tatuados no ciclo sem saída,
Que, se termina, não se sabe quando.

Reza a lenda, que a estrela mensageira
Revela seu mistério a noite inteira,
Mas a gente só vê se está sonhando.

sábado, 17 de janeiro de 2015

O PADRE CANGACEIRO



Padre Longino era o cão chupando manga. Casava e batizava, fosse literalmente ou no sentido figurado da expressão. A ele, primeiro mossoroense ordenado pela Santa Madre Igreja, atribuem-se ações criminosas diversas, todas sem castigo. O rol dos delitos contempla investidas contra o patrimônio alheio, contra a dignidade sexual e contra a vida.

Há poucos registros sobre o vigário. Em 1949, Vingt-un Rosado publicou anotações de Francisco Fausto de Souza, assumindo, porém, a responsabilidade pela impressão da brochura, ante ameaças de retaliação. A edição de 40 exemplares mimeografados recebeu o título “Apontamentos históricos sobre o Padre Longino Guilherme de Melo, 1802-1878”.

Sabe-se que nasceu no arraial de Santa Luzia do Mossoró aos 15 de março de 1802, filho do capitão Simão Guilherme de Melo e de Inácia Maria da Paixão, pessoas ordeiras e respeitadas. Recebeu ordens no seminário de Olinda-PE, em novembro de 1826, voltando logo a seguir para a terra natal, onde só não fez chover, mas ainda preparou o tempo.

No início da década de 1950, contratado pela prefeitura para fazer Notas e Documentos para a História de Mossoró, Luís da Câmara Cascudo ampliou os estudos de Fausto. O primeiro indivíduo, no entanto, a escrever sobre Longino foi outro ministro católico, José Antônio Silveira, inimigo implacável do colega de batina a quem dedicou versos ferozes.

O “poeta improvisado” acusa o desafeto de quebrar o celibato em pleno confessionário, deflorar menores impúberes, entre as quais uma sobrinha, celebrar missas para o diabo na capela de Santa Luzia, badernas, porte de arma, tentativas de homicídio e assassinatos consumados. A casa paroquial e o próprio templo serviram de trincheiras em tiroteios

O maior deles envolveu Longino e seus cabras contra a capangaria liderada por Antonio Basílio, tocador de viola e baderneiro das bandas do Assú, além de genro do comandante Félix Antonio de Sousa Machado, descendente dos fundadores de Mossoró. Na chuva de bala, morreu um dos asseclas do padre, o célebre pistoleiro Tempestade Ventania.

Os dois se tornaram desafetos após casamento celebrado por Longino. A briga envolveu de início o vigário e Pedro Ferreira. Basílio saiu em defesa de Pedro, ameaçando Longino com uma arma branca, que lhe foi tomada por circunstantes. Irritado, o ministro de Deus arrastou outra faca, desferindo seis golpes no adversário. Ambos estavam bêbedos.

Transportada para a sede do município numa rede, após exame de corpo de delito realizado in loco pelo juiz de paz Domingos da Costa Oliveira, na presença de testemunhas convocadas para o ato, a vítima sobreviveu e fugiu. Não está claro se chegou a cumprir a pena de um mês de prisão sumariamente estipulada pelo crime de “porte ilegal de arma”.

O acusado recebeu o benefício do livramento ordinário no mesmo documento que determinava sua prisão e nunca foi julgado. Anos depois, o corregedor Luís Gonzaga de Brito Guerra declarou a prescrição da pretensão punitiva. A Igreja suspendeu as ordens de Longino, mas, seis anos depois, o bispo Dom João Marques Perdigão revogou a pena.

Aconselhado a deixar a cidade, viveu no Piauí e no Maranhão. Voltou para Mossoró 28 anos depois, cansado e cego. Quando alguém perguntava sobre a deficiência visual, respondia: “É verdade, ceguei. Ceguei de ver gente ruim”. Morreu aos 30 de março de 1876, contando 74 anos de idade, e teve o corpo sepultado na capela do Cemitério Velho.

sábado, 3 de janeiro de 2015

O tempo de Paulo e as pétalas de Florina


Cheguei à praia no fim da tarde, o mais tarde que pude, por causa de minha relação de amor e ódio com o litoral. Trouxe livros que vou lendo devagarinho, pois a maresia obriga-me a lavar as lentes dos óculos de quando em quando e o balanço da rede dá um sono dos diabos.

Na primeira noite, os poetas Paulo Maia e Florina da Escóssia fizeram-me companhia. O livro de Paulo Maia, “Tempo Quanto Tempo”, tomou-me a atenção desde a dedicatória de Sofia, a ilustradora: “‘F’ de feliz porque você comprou o livro meu e do meu pai”. Viu aí?

Poemas de amor, essencialmente, amor à musa, ao ofício, a Natal, escritos ao longo de 17 anos, segundo revela o autor, e apadrinhados no prefácio de Diógenes da Cunha Lima. Gosto de poemas de amor, músicas de amor e até das mentiras do amor, desde que haja amor.

Tomo a liberdade de recomendar, além daquele que dá título à publicação, os textos Retrato, Janeiro, Deixar Natal é Abandonar a Pátria, A Liberdade, Mente, De Repente e Lápide, sem descuidar dos desenhos de Sofia, cuja assinatura arrasta um coração na perninha da letra “a”.

Nas linhas iniciais de Florina, vi Lauro da Escóssia, o velho, caminhando com o joelho ardendo. Quase alcancei o lançamento de “Pétalas”, também de joelho em petição de miséria, mas o acidente envolvendo um amigo que precisou de auxílio desviou-me do caminho.

A paráfrase de Pasárgada contrasta com a terra imaginária de Manuel Bandeira, onde há prostitutas bonitas e alcaloide à vontade. Por que mendigar a amizade do rei quando se pode ser rainha investida dos poderes necessários para deitar e rolar na reinvenção da poesia?

Ao ler “Sou Fruto de Mossoró e Tibau”, referenciado na orelha de Aluísio Barros e no prefácio de David Leite, pesou-me a consciência por reclamar da maresia nos óculos. Saudade das feições antigas da Rua do Brisa, dos morros coloridos, das pranchas de isopor, dos tatuís.

“Tempo Quanto Tempo” é de 2010 e foi editado pelo livreiro Abimael Silva, do Sebo Vermelho; enquanto “Pétalas” ganhou tinta e papel no final de 2014, sob os auspícios da editora Sarau das Letras, projeto recente, mas já vitorioso dos escritores David Leite e Clauder Arcanjo.


Tudo lido e escrito, resta implorar que o sono dê as caras antes de o Sol anunciar-se na janela ou de a maré-cheia lamber a soleira da porta, naquela orgia das ondas com o vento. Ou pior, antes que o batalhão de meninos sem regimento antecipe a inauguração da manhã.