Padre Longino era o cão chupando manga. Casava e batizava,
fosse literalmente ou no sentido figurado da expressão. A ele, primeiro
mossoroense ordenado pela Santa Madre Igreja, atribuem-se ações criminosas
diversas, todas sem castigo. O rol dos delitos contempla investidas contra o
patrimônio alheio, contra a dignidade sexual e contra a vida.
Há poucos registros sobre o vigário. Em 1949, Vingt-un
Rosado publicou anotações de Francisco Fausto de Souza, assumindo, porém, a
responsabilidade pela impressão da brochura, ante ameaças de retaliação. A
edição de 40 exemplares mimeografados recebeu o título “Apontamentos históricos
sobre o Padre Longino Guilherme de Melo, 1802-1878”.
Sabe-se que nasceu no arraial de Santa Luzia do Mossoró aos
15 de março de 1802, filho do capitão Simão Guilherme de Melo e de Inácia Maria
da Paixão, pessoas ordeiras e respeitadas. Recebeu ordens no seminário de
Olinda-PE, em novembro de 1826, voltando logo a seguir para a terra natal, onde
só não fez chover, mas ainda preparou o tempo.
No início da década de 1950, contratado pela prefeitura para
fazer Notas e Documentos para a História de Mossoró, Luís da Câmara Cascudo
ampliou os estudos de Fausto. O primeiro indivíduo, no entanto, a escrever
sobre Longino foi outro ministro católico, José Antônio Silveira, inimigo
implacável do colega de batina a quem dedicou versos ferozes.
O “poeta improvisado” acusa o desafeto de quebrar o celibato
em pleno confessionário, deflorar menores impúberes, entre as quais uma
sobrinha, celebrar missas para o diabo na capela de Santa Luzia, badernas,
porte de arma, tentativas de homicídio e assassinatos consumados. A casa
paroquial e o próprio templo serviram de trincheiras em tiroteios
O maior deles envolveu Longino e seus cabras contra a
capangaria liderada por Antonio Basílio, tocador de viola e baderneiro das
bandas do Assú, além de genro do comandante Félix Antonio de Sousa Machado,
descendente dos fundadores de Mossoró. Na chuva de bala, morreu um dos asseclas
do padre, o célebre pistoleiro Tempestade Ventania.
Os dois se tornaram desafetos após casamento celebrado por
Longino. A briga envolveu de início o vigário e Pedro Ferreira. Basílio saiu em
defesa de Pedro, ameaçando Longino com uma arma branca, que lhe foi tomada por
circunstantes. Irritado, o ministro de Deus arrastou outra faca, desferindo
seis golpes no adversário. Ambos estavam bêbedos.
Transportada para a sede do município numa rede, após exame
de corpo de delito realizado in loco pelo juiz de paz Domingos da Costa
Oliveira, na presença de testemunhas convocadas para o ato, a vítima sobreviveu
e fugiu. Não está claro se chegou a cumprir a pena de um mês de prisão
sumariamente estipulada pelo crime de “porte ilegal de arma”.
O acusado recebeu o benefício do livramento ordinário no
mesmo documento que determinava sua prisão e nunca foi julgado. Anos depois, o
corregedor Luís Gonzaga de Brito Guerra declarou a prescrição da pretensão
punitiva. A Igreja suspendeu as ordens de Longino, mas, seis anos depois, o
bispo Dom João Marques Perdigão revogou a pena.
Aconselhado a deixar a cidade, viveu no Piauí e no Maranhão.
Voltou para Mossoró 28 anos depois, cansado e cego. Quando alguém perguntava
sobre a deficiência visual, respondia: “É verdade, ceguei. Ceguei de ver gente
ruim”. Morreu aos 30 de março de 1876, contando 74 anos de idade, e teve o
corpo sepultado na capela do Cemitério Velho.
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