Alguém
chamada Sheherazade conta naturalmente com as mil e uma noites de minha
admiração, ainda mais se é Rachel, tão linda quanto inteligente, mulher fêmea,
sim, senhor, da Paraíba de meus ancestrais. Para completar, jornalista competente,
corajosa o bastante para desafinar o coro dos contentes e reagir à ditadura do
politicamente correto.
Afeito
a paixões platônicas, acompanho-a desde antes da fama. Creio que desde quando a
vi na TV pela primeira vez, enquanto eu e o poeta Caio César Muniz almoçávamos próximo
à lagoa do Parque Sólon de Lucena, cartão-postal da capital paraibana. Que moça
deslumbrante! E olhe que já chegou aos 40, segundo a revista Veja.
Nem
sempre concordo com seus pontos de vista, mas não entendo os motivos e reprovo
os meios daqueles que desejam silenciá-la por meio de agressões verbais,
ameaças e perseguições. Os ataques sofridos por meu ídolo – lembrando que ídolo
é substantivo de um só gênero, o masculino – afrontam os valores democráticos e
apequenam o debate.
A
propósito, Sheherazade estava radiante ao discursar na Câmara Municipal de João
Pessoa, que a homenageou recentemente. Assisti à solenidade via Internet e,
tirando o “Voltaire” pronunciado conforme a escrita, saiu-se muito bem no improviso,
além de certeira ao registrar o silêncio dos defensores das liberdades
individuais ante a tentativa de censurá-la.
Anotei
alguns trechos: “Não é cômodo incomodar... minorias muito raivosas... poderosos
que querem me calar, que querem usurpar de mim o direito constitucional de
falar, de expressar o que eu sinto, o que eu acho, o que eu vejo, o que me
incomoda. O dia que eu não pude falar... é o dia em que a mordaça venceu mais
uma vez a liberdade de expressão”.
Troço
complicado, a tal liberdade de expressão. Em Mossoró, a gente trabalha
assustado, medindo a palavra com régua e compasso, pois notícia desfavorável,
mesmo no campo institucional, rende processo e reprimendas econômicas, sem
mencionar os prejuízos oriundos de famigerados “direitos de agressão”
travestidos de “direitos de resposta”.
Tem
características peculiares, que o diferencia de qualquer coisa do gênero, no
mundo, a modalidade de “direito de resposta” gestada no ventre da Terra da
Liberdade, onde a perseguição a órgãos e profissionais da comunicação que não
mostram os fundos das calças aos inquilinos do Palácio da Resistência é pública,
notória, desavergonhada e impune.
Enquanto
a lógica jurídica e a boa técnica jornalística orientam no sentido de que o
cidadão atingido por notícia ou opinião veiculada pela mídia apresente sua
versão dos fatos, a qual se deve dar espaço igual ao da suposta ofensa, aqui se
tenta obrigar jornal, rádio, TV, blog e o escambau a divulgar como se fossem suas
as opiniões dos outros.
Há
alguns meses, foi imposta ao O Mossoroense, mediante decisões judiciais liminares,
a publicação de textos escritos e editados por terceiros, que, além de
dissociadas dos assuntos abordados nas matérias “respondidas”, tentavam colocar
palavras absurdas em nossas “bocas”. Coisas do tipo, “o jornal O Mossoroense
reconhece...”.
Nunca
houve nas citadas manifestações, interesse de esclarecer a opinião pública
sobre algo. O objetivo era e continua a ser, a um só tempo, agredir, distorcer,
manipular, desmoralizar repórteres e editores, manobra essa que, registra-se por
dever de honestidade e reconhecimento, foi percebida e rechaçada por juízes
experientes e de bom senso.
Parodiando
François Andriex, no conto “O Moleiro de Sans-Souci”, ainda há juízes em
Berlim! Do contrário, melhor seria largar a pena e se acomodar entre aqueles
três macacos japoneses, o “não vejo”, o “não falo” e o “não ouço”, batendo
continência para os que preferem o conforto da espiral do silêncio, na cidade onde
até o Judiciário apresenta sua versão Luís XIV.
Nada
estranho, sabendo-se que, por estas bandas, instituições emblemáticas a exemplo
do Sindicato dos Jornalistas e da Ordem dos Advogados têm baixa tolerância a
opiniões negativas, como no episódio envolvendo membros da OAB e o jornalista
Bruno Barreto, bombardeado nas redes sociais por criticar, em quatro linhas, de
um pedido da instituição ao TRE.
Discordo
da opinião do jornalista, como natural e constantemente discordam de mim na
redação que dirijo, e expliquei-lhe os motivos. Bruno não se convenceu e
contra-argumentou convicto. Debatemos sem ofensas e sem perder as estribeiras,
pois encaramos as liberdades de pensamento e de expressão com naturalidade,
respeito, amadurecimento.
É simples
defender a voz daqueles que comungam dos nossos pontos de vista. Difícil é encontrar
quem se mantenha fiel a esse propósito quando o discurso alheio incomoda, constatação
que remete a Noam Chomsky, linguista francês, criador da gramática ge(ne)rativa
transformacional, gênio da raça, como diria o saudoso mestre Vingt-un Rosado.
Chomsky
sofreu o diabo, foi tachado de antissemita e banido de vários ciclos da
intelectualidade, porque, embora discordando do conteúdo, teve a ousadia de
publicar um artigo em prol do direito de um sujeito chamado Robert Faurisson,
professor de literatura da universidade de Lyon, falar sobre a teoria de que o
Holocausto nunca aconteceu.
O
linguista, que rotulava o Holocausto de “a mais fantástica irrupção de
insanidade coletiva na história da humanidade”, não advogou em prol das ideias,
e sim pelo direito de o adversário ideológico expressar-se. Ao fim e ao cabo, Faurisson
acabou condenado pela absurda acusação de “negar a história oficial”, enquanto
Chomsky amargou a execração pública.
Apesar
de tudo, a reação do linguista foi equilibrada e definitiva: “a liberdade de
expressão (incluindo a liberdade acadêmica) não deve ser restrita a visões que
alguém aprova, e que é precisamente no caso de visões que são quase
universalmente desprezadas e condenadas é que esse direito deve ser mais
vigorosamente defendido”.
Por
isso, estou com Sheherazade até na Pérsia, na frente de Shariar, e não abro nem
por cem e uma cocada. Embora reconheça que na era do satélite o grito de um sertanejo
dos cafundós não sirva de escudo para seu ninguém, grito mesmo assim, porque a
ameaça à liberdade de um indivíduo, jornalista ou não, atinge a liberdade de
todos nós.