Em San Marcos, no Texas, Scott Wade criou a “Dirty Car Art”, que ouso traduzir como “Arte de Carro Sujo”. Ele aproveita a atmosfera poeirosa semelhante à de Mossoró para criar obras de arte nos vidros de veículos estacionados em via pública. Do pó, nascem e renascem pessoas, animais, plantas, paisagens, monumentos, criaturas surreais, de tudo.
Meu automóvel, que é preto e só vê água quando chove, não por desleixo, mas pela demanda, daria um painel sertanejo, com vaqueiros trajados à rigor, cavalgando no chão rachado em busca das reses perdidas na caatinga. Muito melhor do que encontrá-lo servindo de quadro negro para piadinhas tão antigas quanto a sagrada posição dos monarcas.
Nada mais cafona do que escrever "Me lave" no vidro ou na lataria de um carro empoeirado. Pior se o carro for o meu, pois, além de tudo, o indigitado corre o sério risco de contrair tétano. Além disso, há de se duvidar dos hábitos de higiene física e mental de quem sente prazer em enfiar o dedo na sujeira para deixar mensagens cheias de “originalidade”.
E não se resume à cafonice. O ato, degrau anterior à coprofagia, reveste-se também da maior cara-de-pau - e o caso é mesmo esse - quando o paladino da limpeza automotiva é famoso pela aversão à água, escovas de dente, desodorantes. Revela a doença que os neofreudianos descrevem, em documentos secretíssimos, como filhadaputismo latente.
É, camarada, vi você ensebando o vidro traseiro do Cid Móvel com seu dedo sujo, no pingo do meio-dia, e tive uma vontade quase irresistível de enfiar-lhe o meu nas suas costas para escrever "Vá tomar banho", "compre pastilha", "passe limão" ou, ao menos, para lhe proporcionar um toque reto sobre colocação pronominal, básico da língua portuguesa.