Deus a proteja e guarde desta
alma que vem das profundezas do meu corpo, arrastando correntes em chamas, com
a sede dos purgatórios e a fome de mil criaturas malditas para consumi-la,
carne, ossos, espírito, até roubar-lhe a força no gozo, num grito ou por
assombro.
Deus a proteja e guarde da
penetração destes olhos perdidos madrugada afora, capazes de usurpar as frestas
mínimas de um vestido comportado, salivar nos mamilos e nutrir-se de leite proibido
para construir, pelo em pelo, um sulco de arrepio do pescoço à orla do umbigo.
Deus a proteja e guarde desta
língua ensandecida que alimenta planos mirabolantes de invadir o labirinto dos
seus ouvidos com um batalhão de propostas sujas, versos imprudentes e segredos cínicos
quais o apetite lascivo de quando se deita o fogo à pólvora.
Deus a proteja e guarde do
olfato desta ovelha criada em pele de lobo, ávida por desnudar os acordes dos
perfumes e as sensações dos rastros, de modo que, nem por milagre, haveria
esconderijo necessário em que não toquem os meus dedos o aroma lúbrico de suas
coxas.
Deus a proteja e guarde da
imaginação deste cronista maldito, herdeiro das alucinações do tempo e das ribanceiras
dos rios, que constrói amores com migalhas de sorrisos fortuitos, pinta, borda e
some nos enredos das amantes inventadas que se fingem sem saber.