sábado, 26 de maio de 2012

Língua morta



Palavras me devoram como se saíssem dos olhos da esfinge. Decifrar-lhes as origens, os sentidos, os usos, é questão de vida ou morte, desde quando eu era criança perdida nos “por quês”.

Por isso, e também para aplacar o analfabetismo, vivo entre dicionários. Da língua portuguesa são diversos, a começar de uma edição antiga do Caldas Aulete, presente de meu avô, chegando aos populares Aurélio e Houaiss.

O Dicionário Etimológico, de Antônio Geraldo da Cunha; e o Dicionário Analógico, de Francisco Ferreira dos Santos Azevedo, com prefácio de Chico Buarque, não poderiam faltar.

Guardo compilações lexicais em latim, grego, inglês, francês, espanhol, tupi-guarani, que servem de antídoto a curiosidades pontuais, mesmo diante das facilidades do “professor” Google.

O xodó, no entanto, são os específicos: Calepino Potiguar, de Raimundo Nonato da Silva; Dicionário do Folclore Brasileiro, de Cascudo; Dicionário do Palavrão e Termos Afins, a Língua na Boca do Povo e Nomes Próprios Pouco Comuns, os três de Mário Souto Maior.

Encontrei em Natal, na última sexta-feira, adquirindo-a imediatamente, a obra Língua Morta - Palavras que Sumiram do Mapa. O autor é o jornalista Alberto Villas, de Belo Horizonte, terra maravilhosa onde aprendi que a mineira caminha à mineira sobre o coração dos homens, e até o mais prevenido, o mais cauteloso, se abestalha.

O livro é uma belezura na escrita, nas feições gráficas e no preço, trinta e poucos reais. Grande pesquisa, com orelhas puxadas por Max Gehringer.

O problema, meu e não dele, é que, lendo essa espécie de obituário linguístico, descobri que estou morto e não sabia, pois ainda uso, por exemplo, abafar no sentido de fazer sucesso, abarrotado para lugares cheios, abelhudo como sinônimo de curioso, abotoadura, acabrunhado, acamado.

Gosto de adular a mulher com quem sou amasiado, detesto gente afetada, não tomo dinheiro emprestado a agiota, considero-me um tanto ajuizado, conheci o velho alcaide Dix-huit Rosado, meus filhos costumam fazer algazarra antes de dormir e, ultimamente, tenho andado um tanto alinhado, a não ser nos alpendres da Mororó.

Sim, minha amásia me trata por amoreco quando estou amuado, porque não sabe contar anedota.

Os colunistas sociais daqui ainda escrevem sobre os babados, alguns amigos consomem bagulho, enquanto outros recitam poemas fesceninos, com palavras de baixo calão.

Já frequentei o baixo meretrício e o barangas.com, no tempo em que o barão pagava muita coisa, inclusive o carro de praça com destino à estrada de Baraúna.

Ah, na casa de minha avó, que sempre foi gente boa e nunca deu cascudo nos netos, tem janela basculante.

Dar bandeira, dar no couro... emburrado, encher linguiça... fajuto, ferro-velho... goiaba, grudada... indecência, inhaca... jaburu, jararaca... labuta, lascado...

Macarronada, maciota... nas coxas, negar fogo... ó do borogodó, obséquio... palerma, patota (aí, Carlos Santos!)...

Quinquilharia, quitute... roça, riscado... sabugo, sacou?... tamborete, tinindo... urinol, urticária... vaca-preta, varapau... xarope, xumbrega... zarolho, zombar...

E por aí vai, mas atenção: se essas palavras e expressões fazem sentido para você, tanto quanto para mim, sinta-se bem-vindo ao mundo dos mortos.

sábado, 19 de maio de 2012

LYON



Lyon, meu lugar predileto de Oropa, França e Bahia. Quando bate a tristeza, naquelas noites sem perspectivas, fecho os olhos e me sinto por lá, bebendo um scotch em francês.

 “Bom dia, tristeza. Que tarde, tristeza. Você veio hoje me ver”.

O coração é pequeno, mas o malte é puro e me leva a escorregar em lugares comuns, besteiras universais tipo dor de cotovelo, indecências, o ves...ti...do... da mulher que passa.

“Meu Deus, eu quero a mulher que passa!”.

Saudade das pequenas mortes. Se as palavras não me faltarem, talvez a tentação caia em mim e me arrebate na ilusão de um orgasmo. Se bem que aos 40, ninguém morre dessas coisas, no máximo desmaia.

“Tem o palor que irradia a estrela quando desmaia”.

Tinha 13 anos quando a primeira musa cravou-me ao Sol um gozo no centro da memória. De lá para cá, tirando as carícias do meu amor ausente, as lembranças são fortuitas. Tantas, também, fazer o quê?

“Uma mulher ao sol - eis todo o meu desejo”.

Cansado de acordar manhãs para escrever a história dos outros. Um dia, e me perdoem a sinceridade, direi apenas de mim. Pro inferno a universalidade que não me habitar.

“Para isso fomos feitos: para lembrar e ser lembrados”.

O Anjo Torto apareceu. Há eras não conversávamos. Falou de tristezas maiores que as habitantes desta página. Trouxe notícias do mundo de lá, da literatura, da poesia. Vai escrever sobre Vinícius de Moraes. Que inveja!




sábado, 12 de maio de 2012

Doutor Saraiva



Aprendi na escola de Vingt Rosado, meu saudoso avô, que solidariedade verdadeira manifesta-se espontânea e publicamente. Por isso, aqui estou, sem meias palavras, para hipotecar ampla, geral e irrestrita solidariedade ao desembargador Francisco Saraiva Dantas Sobrinho, apontado de maneira injusta como um dos envolvidos na operação “Sinal Fechado”.

Seu acusador, empresário Alcides Fernandes Barbosa, para fazer jus a benefícios da delação premiada, saiu-se com um absurdo. Segundo ele, o magistrado teria beneficiado a quadrilha, influenciado por João Faustino Neto, ao declinar da competência para julgamento de interesses do “Consórcio Inspar”, centro das falcatruas, remetendo o assunto à Justiça Federal.

Qualquer pessoa, com o mínimo discernimento jurídico, sabe que a decisão de Saraiva, ao contrário do que disse Alcides, foi ruim para os interesses da quadrilha. Benefício seria uma sentença favorável, na lata. A remessa do processo para o Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5) acarretaria, sem dúvida, maiores dificuldades para o licenciamento pretendido.

Para início de conversa, o caso seria redistribuído eletronicamente assim que chegasse ao TRF5, podendo cair para qualquer dos integrantes daquela corte. Diante desse pormenor, e dizem que o diabo mora nos detalhes, estaria o delator premiado dizendo, indiretamente, que o Inspar influenciaria, além do nosso conterrâneo potiguar, 15 desembargadores federais.

Acompanho o trabalho de Saraiva desde o tempo em que, na condição de repórter policial, testemunhei seus esforços para consolidar um dos institutos mais importantes da Justiça mossoroense: o Tribunal do Júri Popular, espaço democrático em que cidadãos comuns decidem o destino de seus iguais envolvidos nos chamados “crimes dolosos contra a vida”.

De lá para cá, passados vinte e tantos anos, nunca ouvi comentário desabonador à conduta do magistrado e, diferentemente da interpretação de alguns colegas, considero as declarações de Alcides Fernandes como prova de que, se houve pressão, esta não produziu efeito, afinal, repito, a decisão “suspeita” fechou pelo menos um sinal para a turma do Inspar.