sábado, 28 de junho de 2014

De Werther a Grafith


Antes que os intelectuais me esquartejem e espalhem minhas partes nos quatro cantos da cidade por causa do título desta crônica, esclareço que Goethe é Goethe e Grafith é Grafith. Embora o dígrafo “th” possa sugerir algum parentesco fonético remoto, os dois permanecem em seus respectivos quadrados, unidos na representação dos efeitos da arte sobre a realidade onde é reproduzida, seja ela rotulada de “erudita”, “popular”, “trash”, “punk”, “brega”, “hippie”, “cult” ou o escambau.

Nunca nutri pendores críticos nem tenho preconceito quanto às formas de manifestação artística. Gosto, não gosto, ignoro. Grafith está fora do meu roteiro musical pelo segundo critério. Não gosto, e pronto. Mas também, apesar de constrangido, confesso: obras ao estilo “É ímpar, É par / É ímpar é par / Se der impar você chupa / Se der par você me dá” e “Chico bateu no bode / o bode bateu no Chico” ultrapassam os limites estreitos de minha condição cognitiva simplória.

Ignorar? Impossível, afinal ela é uma das bandas de maior sucesso no Nordeste, e, se é verdade o que dizem, que suas letras estimulam reações perigosas, merece os olhares da academia, especialmente daqueles que estudam a linguagem enquanto instrumento de ação e de transformação social. Só tenho certeza de uma coisa: é preconceituoso afirmar que o público de Grafith é composto de pessoas violentas. Assisti a três shows da Tribo de Jah, sem apertar nem acender bagulho algum.

Agora entra Goethe, Johann Wolfgang von Goethe. A história atribui ao livro Os Sofrimentos do Jovem Werther, com o qual o escritor alemão inaugurou o romantismo no Velho Continente, a culpa pela onda suicida verificada na Europa, em 1774. Juram os especialistas que foi o texto, a palavra profunda do autor ao descrever as desventuras de um amor “ilícito”, que arrastou vários de seus leitores ao que Albert Camus classifica de “a grande questão filosófica de nosso tempo”.

E ainda vem Jimmy Walker, ex-prefeito de Nova Iorque, afirmar que “Jamais uma donzela foi seduzida por um livro”, ao contrário de Dom Nivaldo Monte, que adverte: “Sabe escolher tuas leituras, teus estudos, como joeiras tuas ideias. A leitura alimenta a alma, mas poderá também envenená-la”. Correto, o sacerdote, arte que é arte seduz, provoca, transforma e não se perde na indiferença. O autor, garanto, pode até ressentir-se das críticas. O silêncio, contudo, o desespera.

Os integrantes da banda Grafith magoaram-se com a repercussão de sua passagem no Mossoró Cidade Junina. Reagiram por meio do líder, vereador natalense Júnior Grafith, em nota de repúdio na Câmara de lá contra a Câmara de cá. O público divide-se no ataque e na defesa dos grafitheiros, embora prevaleça, mesmo entre os fãs ardorosos, o sentimento de que as músicas deles incentivam a pancadaria, com ênfase para a peleja entre Chico e o bode, quando sempre dá porrada.

O Grafithão está na crista da onda e as polêmicas que o envolvem não passariam despercebidas. Ossos do ofício e da fama. Portanto, em vez de reagir fazendo-se de vítima em discursos vazios, deveria contratar um bom instituto de pesquisa e um marqueteiro não menos competente para solucionar os ruídos de imagem que o ligam à violência. Além, sei lá, de refletir sobre o conteúdo das canções, pois, assim como em Goethe, a arte que afaga é a mesma que apedreja.

sábado, 21 de junho de 2014

MEU AMOR


Eu não te amo.

Coisa tipo assim de matemática, como de dois mais dois resultam quatro.

Não poderia amá-la sobre camas alheias onde lençóis escondem o suor das sombras e os travesseiros brancos estão sujos de sussurros e gemidos.

Se mal me lembro, esticando os braços da memória, que são longos, embora cansados de mover músculos contra a corrente das mágoas, nunca amei ninguém.

Acusam-me, ao menos, de ser assim, o vendaval que se soltou numa espécie de cântico negro, arranca telhados, derruba árvores, depois passa fincando rastros sem deixar raízes.

Este coração panteísta, que não é meu, é da natureza, sempre bateu sozinho “em dor maior”, pensando-se um samba de Cartola.

Mente, ele mente, sim, quando pensa que ama. Por instinto.

Apega-se inutilmente à sobrevida das paixões eternas que, ao amanhecer, o sol despeja na vala comum do cemitério das estrelas cadentes.

Eu talvez te ame.

Na matemática, quase sempre dois mais dois resultam quatro. Li no jornal – e alguém errada feita me disse – que pode dar cinco, com 99,99% de certeza.

Putz!!! Um beijo de madrugada pode mudar as certezas do universo, quanto menos as regras de uma reles alma humana.

Só que não!

No mar das probabilidades e estatísticas, o amor flutua na exatidão dos humores da lua, ao sabor do fluxo e refluxo das correntes submersas entre Bahia e Benin.

Flutua, pende pra cá, balança pra lá e rasga de proa o coração das ondas, que, depois do impacto, juntam os próprios pedaços.

Parece até o mesmíssimo atlântico de sempre. Nem guardam cicatrizes.

Eu te amo.

A matemática tem lá os seus problemas insolúveis.

Talvez nunca tenha falado isso com todas as letras, cores e alguma convicção.

Eu te amo, não sei quando, onde, como, por que ou quanto.

Apenas amo e, acredite, isso bastaria à flor mais bela, partindo de alguém que ama, ama, ama... e não ama.

Até porque, o amor, o ridículo e desgastado tema, não tem hora, lugar, motivo, a não ser no lirismo cafona que se perpetua na amnésia dos copos vazios.

Não lembrar é a melhor maneira de não esquecer.

Quem é você?

Se te amo, mas não lembro em outros braços, significa que jamais a esquecerei. Esse amor será eterno, apesar de nunca haver existido.

Não amo.

Talvez ame.

Amo, caraca, e daí?

Meu amor não vale a comida que come.