Antes
que os intelectuais me esquartejem e espalhem minhas partes nos quatro cantos
da cidade por causa do título desta crônica, esclareço que Goethe é Goethe e
Grafith é Grafith. Embora o dígrafo “th” possa sugerir algum parentesco
fonético remoto, os dois permanecem em seus respectivos quadrados, unidos na
representação dos efeitos da arte sobre a realidade onde é reproduzida, seja
ela rotulada de “erudita”, “popular”, “trash”, “punk”, “brega”, “hippie”, “cult”
ou o escambau.
Nunca
nutri pendores críticos nem tenho preconceito quanto às formas de manifestação
artística. Gosto, não gosto, ignoro. Grafith está fora do meu roteiro musical
pelo segundo critério. Não gosto, e pronto. Mas também, apesar de constrangido,
confesso: obras ao estilo “É ímpar, É par / É ímpar é par / Se der impar você
chupa / Se der par você me dá” e “Chico bateu no bode / o bode bateu no Chico”
ultrapassam os limites estreitos de minha condição cognitiva simplória.
Ignorar?
Impossível, afinal ela é uma das bandas de maior sucesso no Nordeste, e, se é
verdade o que dizem, que suas letras estimulam reações perigosas, merece os
olhares da academia, especialmente daqueles que estudam a linguagem enquanto
instrumento de ação e de transformação social. Só tenho certeza de uma coisa: é
preconceituoso afirmar que o público de Grafith é composto de pessoas
violentas. Assisti a três shows da Tribo de Jah, sem apertar nem acender bagulho
algum.
Agora entra
Goethe, Johann Wolfgang von Goethe. A história atribui ao livro Os
Sofrimentos do Jovem Werther, com o qual o escritor alemão inaugurou o
romantismo no Velho Continente, a culpa pela onda suicida verificada na Europa,
em 1774. Juram os especialistas que foi o texto, a palavra profunda do autor ao
descrever as desventuras de um amor “ilícito”, que arrastou vários de seus leitores
ao que Albert Camus classifica de “a grande questão filosófica de nosso tempo”.
E
ainda vem Jimmy Walker, ex-prefeito de Nova Iorque, afirmar que “Jamais uma donzela
foi seduzida por um livro”, ao contrário de Dom Nivaldo Monte, que adverte:
“Sabe escolher tuas leituras, teus estudos, como joeiras tuas ideias. A leitura
alimenta a alma, mas poderá também envenená-la”. Correto, o sacerdote, arte que
é arte seduz, provoca, transforma e não se perde na indiferença. O autor,
garanto, pode até ressentir-se das críticas. O silêncio, contudo, o desespera.
Os
integrantes da banda Grafith magoaram-se com a repercussão de sua passagem no
Mossoró Cidade Junina. Reagiram por meio do líder, vereador natalense Júnior
Grafith, em nota de repúdio na Câmara de lá contra a Câmara de cá. O público
divide-se no ataque e na defesa dos grafitheiros, embora prevaleça, mesmo entre
os fãs ardorosos, o sentimento de que as músicas deles incentivam a pancadaria,
com ênfase para a peleja entre Chico e o bode, quando sempre dá porrada.
O
Grafithão está na crista da onda e as polêmicas que o envolvem não passariam
despercebidas. Ossos do ofício e da fama. Portanto, em vez de reagir fazendo-se
de vítima em discursos vazios, deveria contratar um bom instituto de pesquisa e
um marqueteiro não menos competente para solucionar os ruídos de imagem que o ligam
à violência. Além, sei lá, de refletir sobre o conteúdo das canções, pois,
assim como em Goethe, a arte que afaga é a mesma que apedreja.
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