Brochei! O anúncio da partida de
João Ubaldo Ribeiro, recebido pela TV às sete e poucos da manhã, “de chofre”,
como diria o poeta Marcos Ferreira, sacramentou o destino de uma semana
brochante, com desastres cinzentos e poucas tintas para remediar a palidez do
caos. Solução, solução mesmo, com todo respeito a quem acredita em ressurreição
da carne, vida eterna, parnaso de além-túmulo, só não tem para a filha da puta
da morte.
Padre Antônio Vieira, no segundo
dos três sermões sobre a “Arte de Morrer”, destinados a cerimônias de
Quartas-feiras de Cinzas, lembra que escrever se aprende escrevendo e navegar
se aprende navegando, de modo que, “assim também se há-de aprender a morrer,
não meditando, mas morrendo”, pois, conforme advertira poucas linhas antes,
“Nenhuma coisa se faz bem da primeira vez, quanto mais a maior de todas, que é
morrer bem”.
A morte não é licença poética e
não se conserta igual à perna quebrada do verso torto, pois a vida, a vida, meu
amigo, é uma só e, como no Samba da Bênção, de Vinícius de Moraes, “Duas mesmo
que é bom/ Ninguém vai me dizer que tem/ Sem provar muito bem provado/ Com
certidão passada em cartório do céu/ E assinado embaixo: Deus!/ E com firma
reconhecida!”. O negócio, voltando a Vieira, é esforçar-se para morrer bem,
morrer em pé.
Um escritor da elevação de João
Ubaldo Ribeiro, por outro lado, sendo ele a própria licença poética entre nós,
mortais de segunda classe, tem a vida e a morte multiplicadas nas personagens
de suas obras. Não à toa, bradou seu Viva o Povo Brasileiro, que enxergo daqui,
na prateleira, ao lado de O Feitiço da Ilha do Pavão, O Rei da Noite, A Casa
dos Budas Ditosos, Diário do Farol, O Sorriso do Lagarto e O Santo que não
acreditava em Deus.
Quando o inevitável acontece de
fato e a “indesejada das gentes” se nos apresenta como a Manuel Bandeira,
pessoas assim o fazem em dimensão diferente, tarimbadas das experiências vividas
e morridas, nas mentiras de si e nas verdades alheias que, misturadas no
liquidificador das mentes criadoras, dão asas à prosa e à poesia. Vai-se, então,
o organismo desobrigado das rotinas fisiológicas. Fica a essência perpetuada na
imortalidade das palavras.
Evidentemente existem entre os
homens da laia a que pertenço, desprovidos da eternidade do verbo, indivíduos que,
por serem tão amados ou bastante odiados, sobrevivem às gerações às quais se
apresentam com roupas e sapatos diferentes, e até nus, conforme os olhares de
cada época e cada espaço. Podem, inclusive, variar a estada entre o paraíso e a
caldeirinha, mas sem se desprender da memória do mundo onde um dia se fizeram
matéria.
O pintor Laércio Eugênio, que há
28 anos veio ao jornal conhecer-me em razão dos rumores sobre minha loucura, adora
“chupar juízo”. Eu, sem lápis, sem pincel, escrevedor de meia pataca exilado na
terra onde não há poetas nem cronistas, nutro tesão pelos juízos que nos reinventam
no espaço da linguagem. Por isso, a impotência ante a falta de João Ubaldo. E o
resultado, perdão, é um texto phoda no qual todos sofrem e ninguém goza.
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