sábado, 22 de dezembro de 2012

E o mundo, hem?



Estou com sérias dúvidas desde o último dia 21: o mundo não se acabou ou morremos e passamos a habitar o limbo numa espécie de realidade paralela, enquanto o criador decide como dar vencimento às almas de tantas criaturas.

Essas coisas levam tempo, compreendo, muito mais do que a apreciação dos recursos internos do Supremo Tribunal Federal (STF), pois os anjos encarregados da triagem devem apreciar caso a caso para evitar injustiças e julgamentos politiqueiros.

Além do trabalho em si, a “sopesagem” dos pecados e bem-aventuranças de acordo com a realidade socioeconômica, religiosa e cultural dos indivíduos, haverá de ser feita a ampliação das instalações celestiais e, sobretudo, as do inferno, significando que a incerteza dos seiscentos papa-figos persistirá pelo menos até o final das obras da Copa do Mundo de 2014.

Sugeriram-me uma sessão espírita, no que cheguei a pedir ajuda ao repórter fotográfico Luciano Lellys, guru espiritual da redação do O Mossoroense, exorcista, domador de almas sebosas e desfazedor de mandinga, mas desisti antes de chegarmos ao terreiro de Pai Akã da Jurema Grossa. Já pensou se eu baixo em alguém?

Oh, Céus!, Oh, vida! Oh, azar. O dilema “shakespeuruquiano” me consumirá enquanto não descobrir se este cara sou eu ou a mera representação de mim.

Ah, fiz uma breve pesquisa entre colegas de trabalho.

Argolante Lopes, nosso webmaster, sente-se em Matrix desde o penúltimo fim do mundo.

Walkiria, a diagramadora, disse que o dilema será irrelevante, afinal, se eu não entregar imediatamente esta crônica de meia pataca, morto ou vivo, serei linchado.

Bruno Barreto, editor de política, embora ateu militante e convicto, não descarta eventuais conjuminâncias post mortem entre a governadora e uma quase graças a Deus ex-prefeita para que o universo seja recriado através do Tribunal de Contas.

Márcio Costa, diante da celeuma, joga sobre a mesa um CD de Flávio Pizada Quente, o Pizada assim mesmo, com “z”, e manda que eu escute, por recomendação do empresário Alvanilson Carlos, a faixa denominada O Cara do Fiat Uno, na qual repousam respostas para todas as questões filosóficas que há séculos atormentam a humanidade.

A música começa: “Bruuunnnna! Bruuuunnnna!” E o mundo, se ainda existia, acabou de reacabar.

sábado, 15 de dezembro de 2012

O fim do mundo



Tenho 41 anos, parte desperdiçada, parte muito bem vivida, mas, de qualquer modo, sentindo-me o Highlander, apelido conferido a Connor MacLeod, lendário guerreiro imortal das Terras Altas escocesas.

Melhor dizendo, para fazer jus ao meu nome, tenho por agora a sensação de encarnar o próprio El Cid, cognome de Rodrigo Díaz de Vivar, herói castelhano que venceu uma guerra contra os mouros depois de morto.

São as notícias do fim do mundo que me dão essa trágica sensação de imortalidade, associadas ao fato de que superei diversos acontecimentos dessa ordem e continuo aqui, labutando.

Agora são os Maias, ou melhor, novamente são os Maias. Seus intérpretes já nos mataram aos 11 de novembro de 2011, causando entre outras catástrofes o cancelamento do aniversário de Caio César Muniz, seis dias depois, no Bar Santa Luzia, referência etílico-cultural do Beco das Frutas.

Em 1980, sobrevivi à conjunção entre Saturno e Júpiter que destruiu o universo. Dois anos depois, aos 10 de março, venci um cataclismo detectado por astrônomos sabe-se lá de onde.

Atravessei ainda as previsões dos analistas de Nostradamus para agosto de 1999, dos fanáticos que promoveram um apocalipse em festejo aos 2000 anos de Jesus Cristo e de algum desocupado desses na virada entre o segundo e o terceiro milênio.

Somente em 2012, o mundo ferrou-se duas vezes e aguarda a terceira, tudo por obra e graça dos Maias.

Morremos em janeiro ou fevereiro, não me lembro bem, a partir de uma inversão de polos gerada em resposta tardia ao tsunami da Ásia; e pelo alinhamento numérico 12.12.12. Dia 21, a humanidade será devastada porque essa é a última data do calendário Maia e nela seremos tocaiados por um cometa ou um planeta assassino.

Sem querer aumentar a tensão, parece que desta vez a coisa é mais grave e o fim do mundo será mais fim do mundo. Soube que os Estados Unidos pronunciaram-se desmentindo os boatos fatídicos. É o mesmo governo que anunciou de pés juntos, mãos postas e olhos rútilos a existência de armas de destruição em massa no Iraque e jura, com os mesmos gestos, respeitar os direitos humanos em Guantánamo e Abu Ghraib.

De acordo com os cientistas da Nasa, devemos relaxar. A Terra tem prazo de validade de uns cinco bilhões de anos, até quando o Sol devasta-la-á numa mesóclise. Em seguida, congelar-se-á de desgosto linguístico por se sentir um reles pronome oblíquo átono jogado entre o radical e a desinência e decretará a própria extinção no futuro do presente ou do pretérito.

De toda sorte, inevitável sempre foi e sempre será o armagedom em suas diversas configurações. Por isso, verificando em consulta ao calendário de mulher pelada colado na carteira do editor Márcio Costa que a próxima hecatombe recairá na sexta-feira, prometo antecipar o fechamento da edição do O Mossoroense de sábado, de modo a não deixar ninguém sem jornal dia 22 em consequência do evento.

Fica desde já registrado junto à tesouraria da empresa o pedido de antecipação dos vales para a quinta-feira, quebrando a secular tradição das sextas, pois sem dúvida será feriado bancário no fim do mundo e, sem dinheiro, não se pode festejar a imortalidade.

sábado, 1 de dezembro de 2012

O Oráculo de Mossoró



Há na mitologia grega a figura do oráculo, uma divindade ou o sacerdote que a ela se reporta como intermediário dos mortais em busca de respostas. O mais famoso, imagino, é o Oráculo de Delfos, instalado no sopé do monte Parnaso, onde ninfas e musas reuniam-se para ouvir a lira de Apolo.

A exemplo de outros heróis, Hércules tomou ciência do seu destino em Delfos, em cujo templo estava a sentença "Ó homem, conhece-te a ti mesmo e conhecerás os deuses e o universo", atribuída ao grupo dos Sete Sábios, o qual integraram Orfeu e Pitágoras.

Em Mossoró também tivemos um oráculo: Raimundo Soares de Brito, o Raibrito, morto aos 27 de novembro de 2012, quando resolveu dar descanso eterno ao corpo que, durante 92 anos, serviu de abrigo físico ao espírito iluminado pela inteligência generosamente compartilhada com quem o procurava em busca de conhecimento.

A casa de Raibrito e dona Dinorá, também de saudosa memória, situa-se no Alto de São Manoel, na rua que leva o nome do viajante Henry Koster, autor de "Travels in Brazil" ou "Viagens ao Nordeste do Brasil", na tradução interpretativa de Luís da Câmara Cascudo.

Lá e no "anexo" adquirido no mesmo logradouro, as paredes, inclusive as dos quartos e de boa parte da cozinha, são cobertas de prateleiras onde repousavam milhares de livros e documentos meticulosamente colecionados durante décadas.

As pastas de papelão reciclado, dispostas em ordem alfabética, foram fabricadas pelo próprio instituidor do acervo e por seu fiel escudeiro, sobrinho/filho, Marcos Oliveira.

Contribuí certa feita com meia tonelada de jornais que a Fundação Municipal de Cultura, entendendo que os periódicos e livros antigos enfeavam a Biblioteca Ney Pontes Duarte, vendeu para uma sucata então existente na avenida Rio Branco, ao lado da praça da Estação das Artes, lugar originário da feira do Vuco-Vuco.

Alertado por denúncia anônima chegada à redação do O Mossoroense, eu e o repórter fotográfico Luciano Lellys localizamos o acervo e o compramos. Trinta anos de história custaram-nos R$ 12,00, o mesmo valor, segundo o sucateiro, da negociação com o município.

Isso, os jornais. Os livros tiveram o destino das bruxas na Inquisição: a fogueira da ignorância acesa no descampado que havia por trás do Museu Lauro da Escóssia.

Lembro-me como se fosse hoje: carregamos uma camioneta fretada e entregamos tudo na casa de Raibrito, afinal ninguém melhor que ele para ser o guardião das relíquias.

Dona Dinorá, espantada com a quantidade de papel, não se conteve: "Cid, pelo amor de Deus, o que é que você tem contra mim?". Rimos muito deste episódio, pois, de fato, os dois imóveis do casal estavam abarrotados de papéis.

Ele foi sem dúvida a maior fonte para jornalistas, estudantes e pesquisadores do Rio Grande do Norte. Sempre recebeu a todos com carinho e generosidade, sem pedir nada em troca, embora a manutenção daquele patrimônio da maior relevância e utilidade pública corresse às expensas de sua minguada aposentadoria.

Meu amigo, a quem conheci ao lado do memorialista Raimundo Nonato da Silva, na década de 1980, aqui na redação do jornal, deixa além da saudade uma lacuna que jamais será preenchida. Raimundo Soares de Brito, Raibrito, era mais que um homem, mais que um sacerdote da História, era o próprio oráculo, o Oráculo de Mossoró.