sábado, 23 de novembro de 2019

DUAS VERSÕES DE UM SONETO

1) O BARDO E A DONZELA

Hosana nas alturas e eu na terra,
A lua inalcançável do soneto,
Poeta sem encanto ou amuleto,
A razão e o desejo em pé de guerra.

Hosana aqui na terra e eu nas alturas,
A rosa em carnes, ossos e perfumes,
Jardineiro colhendo vaga-lumes
Em meio a fantasias e loucuras.

Hosana toda luz e eu todo escuro,
O verso restaurando a claridade
Das folhas outonais do verbo impuro.

Hosana sobre mim e eu dentro dela,
Gemendo sobre o altar da castidade
No mesmo orgasmo, o bardo e a donzela.



2) O BARDO E A DONZELA

Hosana nas alturas, eu na terra.
Poeta sem encantos, amuletos,
Com razão e desejo em pé de guerra,
Não desperta luares em sonetos.

Hosana aqui na terra, eu nas alturas.
A rosa em carnes, ossos e perfumes
Não vê no firmamento as desventuras
De um louco que cultiva vaga-lumes.

Hosana toda luz, eu todo impuro.
O verbo restaurando a claridade
Das folhas outonais do verso escuro.

Hosana sobre mim, eu dentro dela,
Rasgando, enfim, o véu da castidade
No mesmo gozo, o bardo e a donzela.

DIA SANTO


  
Na face da manhã, tudo é de tarde:
Sete horas com jeitão de meio-dia.
Nem a réstia de sol que aos olhos arde,
Afugenta a preguiça e a apatia.

A tarde tem no rosto o breu da noite:
Doze horas com semblante bem de vinte.
Não acho que uma cama que me acoite,
Seja em qualquer lugar algum acinte.

Lua, enfim, e parece madrugada:
Hora do Ângelus! Céus! Ave-maria!
Cheia de graça é minha rede armada.

O domingo é sagrado? Que besteira!
Dia santo no rastro não traria
Este cão que se diz Segunda-Feira.

A MUSA NÃO BOTA PÃO NA MESA NEM UÍSQUE NA XÍCARA



Nada de novo. Nada muda. Ou seria tudo se repete? Cansado. Na verdade, exausto. Dia a dia, a luta velha se reapresenta de maquiagem nova, corte de cabelo da moda e roupas do momento, mas com os cheiros de anteontem. E o que sobra é lutá-la arreganhando os dentes com o sorriso do primeiro enfrentamento. A despeito do cansaço. Apesar da impaciência.

Assim, vou à luta, rogando todo santo dia, e todo dia de cão também, que essa peleja de culpados e inocentes afaste-se da minha pena e me deixe partir. Na verdade, voltar. A exemplo de Ulisses, prefiro a ilha primordial, prefiro a inquietação de Ítaca ao conforto da imortalidade e ao gozo da ninfa de Calipso. Certas ilhas, disse-me um gauche, “perdem o homem”.

Vem daí a dificuldade de juntar dois ou três punhados de palavras que não carreguem na alma aquele complexo de petição, para arremessá-las e vê-las escorregar de unhas cravadas na tela estática do computador, rasgando entrelinhas abissais inundadas de suor no dorso de uma crônica indecente capaz de seduzir às profundezas e desemoçar os sentidos.

Bandeira, Bandeira! Fartei-me do lirismo estrito do artigo 5º e da erudição asseada dos doutores. Excelência, para mim, sempre foi a prosa do Beco da Bosta. E viva Dorian, que nunca disse, mas ensinou, na prática, que a glória do cronista é a indecência do texto nu, com vergonhas à mostra, despido de todos os salamaleques em direito admitidos ou exigidos.

O que se escreve e não liberta, antes angustia. Nem orgulha nem toca. Um tempo, Cid Augusto, jornalista por amor, advogado por necessidade, tangedor de prosa e poeta quando bebe, só escreverá o que quiser. Se quiser. Quando quiser. Por hoje, entretanto, há de sufocar a rebelião entre as penas, porque a musa não bota pão na mesa nem uísque na xícara.