Necrológio de Augusto Floriano, poeta autodidata: “Teve um coração revolucionário sempre em pé de guerra com as próprias fraquezas armadas. Submeteu-se a quatro governos democraticamente eleitos pontuados por seguidas tentativas de golpe de estado. Morreu como nasceu, sem conhecer a paz. Feliz, entretanto, por haver usufruído o que há de humano na encarnação da poesia”.
sexta-feira, 17 de fevereiro de 2023
quinta-feira, 9 de fevereiro de 2023
Microconto nº 9
Noite ardente, comentada em toda a vizinhança. Horas – tantas horas, mais horas, aquelas horas – de sussurros entrecortados por gemidos fundos e gritos involuntários. De repente, à luz do derradeiro suspiro, o sêmen vermelho da esferográfica sangra na superfície branca, fecundando a folha com o poema inesperado, agora em gestação. Aguardemos.
domingo, 5 de fevereiro de 2023
Breviário da insônia
2h21
A Lua espreita pela fresta da janela
logo hoje que estou cheio de pudores.
2h44
Algum cachorro late na vizinhança.
Um, não! Dois! Três! E estão brigando. Briga feia.
2h45
O forro de gesso estala.
Parece até que alguém caminha no telhado.
3h15
Sirenes gritam nas Quatro Bocas.
Acidente? Fogo? Tiroteio?
3h28
“Vai dormir, criatura”, diz a mulher.
Fecho os olhos pela milésima vez, sem sucesso.
4h00
A Lua vai se rendendo ao Sol,
mas ainda me dá uma banana no canto da janela.
4h12
Agora danou-se! A cachorrada disparou em uivos.
Tudo porque gatos já não tão pardos transam no telhado.
4h27
O pensamento se desprende do corpo. E vaga.
Na vida passada, estaria por aí, espreitando amores no varejo da madrugada.
4h30
Galos roucos anunciam o dia.
Cães ainda ladram, caravanas ainda passam.
4h46
Cozinha. Pão com manteiga, copo de leite morno, comprimidos de sempre.
Quarto. Tenho até 6h00 para levantar como se tivesse acordando de ontem.
4h58
Reconheço:
sou um fracassado nas artes do sono.