terça-feira, 28 de agosto de 2012
Soneto de bar
Soneto de bar tem de ter cachaça,
Esperanças sorrindo apaixonadas.
O que morra o que mata o que se faça,
Rimas zonzas, tombando embriagadas.
Soneto de bar é sempre doideira,
É troço sem valor, sem cicatrizes,
Poema desgrenhado, de bobeira,
Sem parcas, marcas, largas, sem raízes.
Dá vontade de não metrificar,
De rimar pobretão no infinitivo.
E por que não, se nada vai ficar?
Noite, figuras tortas sem aurora,
Poeta reticente intransitivo,
Musa pinel que ri enquanto chora.
sábado, 25 de agosto de 2012
ROGÉRIO DIAS CONTRA A VIOLÊNCIA
O artista plástico Rogério Dias iniciou,
nas redes sociais, uma intensa campanha contra a violência em Mossoró. Pouco
antes, estive na casa dele, onde conversamos sobre o assunto, a necessidade,
segundo me disse, do apoio de empresários, representantes de entidades de
classe, autoridades, com o cuidado de não partidarizar a coisa.
Lembrei-me dos meus tempos de
repórter de polícia, em fins da década de 1980, início dos anos 1990, quando os
ditos elementos perigosos limitavam-se a arrombar residências vazias e furtar
toca-fitas de carros. Crimes violentos de fato eram raros na crônica policial,
e os homicídios geralmente decorriam de circunstâncias fortuitas.
Havia os maconheiros
tradicionais, pequenos traficantes da erva maldita e figuras curiosas chegadas a
atos de zoofilia. Até confusão entre vizinhos
podia gerar noticiário, dada a escassez de material jornalístico no setor.
Não dá para se esquecer dos
infelizes detidos por “embriaguez e desordem”. Certo delegado costumava, às
segundas-feiras, promover a soltura coletiva desses indivíduos e, se o caso
fosse de briga, os valentões tinham que sair abraçados e assim caminhar até o
outro lado da rua.
Aqui no centrão, onde se localiza
o jornal, sempre me deparo com deliquentes das antigas, todos aposentados,
vivendo de lavar e pastorar veículos, de vender artesanato. Nenhum deles, por
pior que fosse, amarraria a chuteira dos meninos de 15, 16, 17 anos de hoje,
envolvidos com tráfico de drogas e assassinatos.
Garotos com pistolas de grosso
calibre atravessadas na cintura, crianças e adolescentes com várias mortes nas
costas, causadas desde a disputa por pontos de tráfico até pequenas dívidas
contraídas por usuários de entorpecentes.
Cento e oitenta e cinco
homicídios em 2011, oitenta e sete em 2012. Talvez por isso o Palácio da
Resistência tenha criado o epíteto “metrópole do futuro”, sendo a violência a
maior ou talvez a única característica.
Quem, nos velhos tempos,
imaginaria tal realidade em Mossoró? Certamente ninguém, do mesmo modo que
jamais cogitei perder colegas de trabalho para o crack, mentes brilhantes
reduzidas ao vazio por essa droga dos seiscentos diabos, que rouba a humanidade
dos seus usuários, transformando-os em zumbis.
Daí o grito quase solitário de
Rogério Dias, ao qual me somo neste artigo e no apoio à difusão do material
produzido por ele. Façamos algo, pois, como nos alerta o publicitário, poeta e
polemista, qualquer um de nós pode ser a próxima vítima.
sexta-feira, 24 de agosto de 2012
Onírico
Augusto Floriano
Autodidata
A estrada caminha
pisando os meus pés,
enquanto a beleza da moça
é assassinada pelo tempo
e posta na cova rasa da distância.
Chega a velha magra
com hálito indiferente,
pergunta por meus mortos,
um atalho até eles.
Respondo,
depois seguimos juntos.
Há muita lama na vereda larga,
mas nossos pés atolados no barro
estão limpos.
“Cuidado!”
- diz o homem sem rosto -
“essa trilha é perigosa.
Ninguém sabe
o que existe sob a água.”
A sombra completa:
“Não convém prosseguir,
a luz está pálida,
o destino não é breve.”
Acordo muito tarde,
o suor já ensopou os lençóis
da cama desta noite.
Não vale mais a pena
cuspir palavras doces.
quinta-feira, 23 de agosto de 2012
PRIMAVERA
Imagine-se um poema improvisado
e abra as pernas para o meu verso
torto.
Sinta a palavra de um anjo barroco
dura entre as coxas góticas.
Perfume o hálito desta alma
inocentemente sebosa
com a primavera de um orgasmo.
E que Deus a abençoe!
terça-feira, 21 de agosto de 2012
CAMINHEMOS
Cid Augusto
Bistrô Lyon – 20.8.2012
Em breve,
não acordaremos mais
o mesmo dia.
Cada qual virá de sua noite
para receber no vazio de si,
cores e cheiros
amanhecidos à força
pelo Sol.
Tomados da ilusão
de estarmos prontos
enquanto indivíduos,
atravessaremos a solidão
de sermos cada qual
a metade do que fomos.
sábado, 11 de agosto de 2012
Vou-me embora
Quedei-me. Ao lado, outro corpo despido,
ofegante, arrepiado. Havíamos perdido a extensão da cama e nos encontrávamos
rasos, à flor do chão onde dançaram nossos pés descalços previamente à conexão
dos suspiros e dos ais.
O sorriso de depois denuncia o reencontro. Há
dias não mergulhava nas profundezas de um orgasmo e nem imaginava tal bênção naquela
madrugada, depois de tantos guardanapos preenchidos com bobagens.
“Hoje eu só queria”, escrevi num deles, “uma
mulher linda que sentasse ao meu lado e dividisse este uísque. Nem precisaria
fazer sexo – hoje não! –, apenas me dizer meia dúzia de mentiras de alcova para
lubrificar as válvulas enferrujadas do peito. Uma mulher de Sol e Lua que me
pegasse pela mão e me reapresentasse aos caminhos da poesia”.
Milagres acontecem e aqui estou contemplando
a imensidão da natureza nua, depois de dividir o copo, a cama, o guarda-roupa,
a cômoda sob a TV, depois de nos duplicarmos no espelho que verticaliza a
parede, depois de reinventarmos a lira. Depois! Depois!
Quando amanhecer, longe das terras onde todos
os gatos são pardos, não mais existiremos além das lembranças. Tudo passa.
Vou-me embora enquanto a cidade dorme alheia
ao acidente, ao choque entre as carnes em brasa, à ioga tântrica, ao jogo
mortal do gozo, la petite mort.
Levarei na memória o sabor dos gemidos e o
cheiro de naftalina. E isso me basta, posto que o coração se fechou para
balanço.
Saravá!
sexta-feira, 10 de agosto de 2012
Perdidas
Os guardanapos
beberam toda a tinta
da caneta
esvaída em sangue azul.
As idéias
em greve de bobagem
perderam-se
em frases desconexas,
nas profundezas
do coração do papel.
sábado, 4 de agosto de 2012
O fantasma
Voltei
a caminhar nas sombras e a dormir nos becos, a ser o navegador sem farol das
ilhas mal-assombradas que convidam ao mundo grande do poema de Drummond, porque
“meu coração cresce dez metros e explode”.
É
sempre assim: quando não o arrancam do peito e o espancam, e o esmagam sob
plataformas, e o detonam sem pavio, eu próprio o mutilo com as unhas em sessões
intermináveis de autoflagelo.
Faz
escuro sob o Sol e meus sentidos não enxergam aonde ir, se é que haveria
destino capaz de comportar sonhos ornamentados com ametistas no embrulho de papel
amarelado do velho soneto apócrifo.
O fantasma mirando o rosto
eterno
Refletido em retalhos de
memória,
Tentando recompor a própria
história
Pelos cacos do espelho do
inferno.
O livro empoeirado numa
estante,
Ornado com as teias das
aranhas,
Traz poemas latentes nas
entranhas
Do corpo do papel
agonizante.
Flores murchas sedentas de
perfume
Fadadas a morrer em
jardineiras
De túmulos caiados de ciúme.
Todos eles são quem, perdido
em medos,
Oprimido por rugas, por
olheiras,
Deixa o tempo escapar por
entre os dedos.
De
manhã, na penumbra, arrasto com os pés a corrente formada por elos de angústia.
Os tornozelos em carne viva. Os pulsos, também fechados em argolas de aço, não
se erguem à altura do tórax. E a cabeça. A cabeça oprimida por toneladas de
minhocas curva a espinha e mostra o fundo das calças em reconhecimento à
derrota.
De
noite, palmo sequer de visibilidade, o chão esquelético e nu substitui a cama
farta de outrora, onde ninfas e musas, na pele branca da criatura, vestiam-me com
a doce ilusão de criador para, ao fim e ao cabo, abandonarem na sarjeta o
monstro do espelho.
Tento
dormir, mas, antes mesmo da sensação de queda, cães esfomeados me acordam a
mordidas. Na vigília forçada, ofegante, o som de uma gota d’água renitente
arromba-me os ouvidos e o cheiro da cal do travesseiro resseca a mucosa das
narinas.
Quatro
da madrugada. Eis que ouço passos de partida.
Valei-me,
Deus,...
quarta-feira, 1 de agosto de 2012
O Girassol
O
Girassol na estrada se perdeu,
Buscando
em dias, noites, madrugadas,
Um
sol pra iluminar suas jornadas,
Mas
um sol que somente fosse seu.
Ele
fugiu de casa, de mansinho,
Perseguindo
as pegadas da neblina,
O
vento que o chamava na colina,
Os
pássaros, as pedras do caminho.
Foi
girando, girando e mais girava,
Percorrendo
dez mil e cem veredas,
Enquanto
o grande sonho se apagava.
No
fim da estrada, bem pra lá de além,
O
Girassol, queimando em labaredas,
Viu
que o brilho do sol é de ninguém.
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