Há na mitologia grega a figura do
oráculo, uma divindade ou o sacerdote que a ela se reporta como intermediário
dos mortais em busca de respostas. O mais famoso, imagino, é o Oráculo de
Delfos, instalado no sopé do monte Parnaso, onde ninfas e musas reuniam-se para
ouvir a lira de Apolo.
A exemplo de outros heróis, Hércules tomou ciência do seu destino em
Delfos, em cujo templo estava a sentença "Ó homem, conhece-te a ti mesmo e
conhecerás os deuses e o universo", atribuída ao grupo dos Sete Sábios, o
qual integraram Orfeu e Pitágoras.
Em Mossoró também tivemos um
oráculo: Raimundo Soares de Brito, o Raibrito, morto aos 27 de novembro de
2012, quando resolveu dar descanso eterno ao corpo que, durante 92 anos, serviu
de abrigo físico ao espírito iluminado pela inteligência generosamente
compartilhada com quem o procurava em busca de conhecimento.
A casa de Raibrito e dona Dinorá,
também de saudosa memória, situa-se no Alto de São Manoel, na rua que leva o
nome do viajante Henry Koster, autor de "Travels in Brazil" ou "Viagens ao Nordeste do Brasil",
na tradução interpretativa de Luís da Câmara Cascudo.
Lá e no "anexo" adquirido no mesmo logradouro, as paredes,
inclusive as dos quartos e de boa parte da cozinha, são cobertas de prateleiras
onde repousavam milhares de livros e documentos meticulosamente colecionados durante
décadas.
As pastas de papelão reciclado, dispostas em ordem alfabética, foram
fabricadas pelo próprio instituidor do acervo e por seu fiel escudeiro,
sobrinho/filho, Marcos Oliveira.
Contribuí certa feita com meia
tonelada de jornais que a Fundação Municipal de Cultura, entendendo que os periódicos
e livros antigos enfeavam a Biblioteca Ney Pontes Duarte, vendeu para uma
sucata então existente na avenida Rio Branco, ao lado da praça da Estação das
Artes, lugar originário da feira do Vuco-Vuco.
Alertado por denúncia anônima
chegada à redação do O Mossoroense, eu e o repórter fotográfico Luciano Lellys
localizamos o acervo e o compramos. Trinta anos de história custaram-nos R$
12,00, o mesmo valor, segundo o sucateiro, da negociação com o município.
Isso, os jornais. Os livros tiveram
o destino das bruxas na Inquisição: a fogueira da ignorância acesa no
descampado que havia por trás do Museu Lauro da Escóssia.
Lembro-me como se fosse hoje:
carregamos uma camioneta fretada e entregamos tudo na casa de Raibrito, afinal
ninguém melhor que ele para ser o guardião das relíquias.
Dona Dinorá, espantada com a
quantidade de papel, não se conteve: "Cid, pelo amor de Deus, o que é que você
tem contra mim?". Rimos muito deste episódio, pois, de fato, os dois
imóveis do casal estavam abarrotados de papéis.
Ele foi sem dúvida a maior fonte para
jornalistas, estudantes e pesquisadores do Rio Grande do Norte. Sempre recebeu
a todos com carinho e generosidade, sem pedir nada em troca, embora a
manutenção daquele patrimônio da maior relevância e utilidade pública corresse
às expensas de sua minguada aposentadoria.
Meu amigo, a quem conheci ao lado
do memorialista Raimundo Nonato da Silva, na década de 1980, aqui na redação do
jornal, deixa além da saudade uma lacuna que jamais será preenchida. Raimundo
Soares de Brito, Raibrito, era mais que um homem, mais que um sacerdote da
História, era o próprio oráculo, o Oráculo de Mossoró.
Nenhum comentário:
Postar um comentário