segunda-feira, 5 de maio de 2014

ESPIRAL DO SILÊNCIO

Alguém chamada Sheherazade conta naturalmente com as mil e uma noites de minha admiração, ainda mais se é Rachel, tão linda quanto inteligente, mulher fêmea, sim, senhor, da Paraíba de meus ancestrais. Para completar, jornalista competente, corajosa o bastante para desafinar o coro dos contentes e reagir à ditadura do politicamente correto.

Afeito a paixões platônicas, acompanho-a desde antes da fama. Creio que desde quando a vi na TV pela primeira vez, enquanto eu e o poeta Caio César Muniz almoçávamos próximo à lagoa do Parque Sólon de Lucena, cartão-postal da capital paraibana. Que moça deslumbrante! E olhe que já chegou aos 40, segundo a revista Veja.

Nem sempre concordo com seus pontos de vista, mas não entendo os motivos e reprovo os meios daqueles que desejam silenciá-la por meio de agressões verbais, ameaças e perseguições. Os ataques sofridos por meu ídolo – lembrando que ídolo é substantivo de um só gênero, o masculino – afrontam os valores democráticos e apequenam o debate.

A propósito, Sheherazade estava radiante ao discursar na Câmara Municipal de João Pessoa, que a homenageou recentemente. Assisti à solenidade via Internet e, tirando o “Voltaire” pronunciado conforme a escrita, saiu-se muito bem no improviso, além de certeira ao registrar o silêncio dos defensores das liberdades individuais ante a tentativa de censurá-la.

Anotei alguns trechos: “Não é cômodo incomodar... minorias muito raivosas... poderosos que querem me calar, que querem usurpar de mim o direito constitucional de falar, de expressar o que eu sinto, o que eu acho, o que eu vejo, o que me incomoda. O dia que eu não pude falar... é o dia em que a mordaça venceu mais uma vez a liberdade de expressão”.

Troço complicado, a tal liberdade de expressão. Em Mossoró, a gente trabalha assustado, medindo a palavra com régua e compasso, pois notícia desfavorável, mesmo no campo institucional, rende processo e reprimendas econômicas, sem mencionar os prejuízos oriundos de famigerados “direitos de agressão” travestidos de “direitos de resposta”.

Tem características peculiares, que o diferencia de qualquer coisa do gênero, no mundo, a modalidade de “direito de resposta” gestada no ventre da Terra da Liberdade, onde a perseguição a órgãos e profissionais da comunicação que não mostram os fundos das calças aos inquilinos do Palácio da Resistência é pública, notória, desavergonhada e impune.

Enquanto a lógica jurídica e a boa técnica jornalística orientam no sentido de que o cidadão atingido por notícia ou opinião veiculada pela mídia apresente sua versão dos fatos, a qual se deve dar espaço igual ao da suposta ofensa, aqui se tenta obrigar jornal, rádio, TV, blog e o escambau a divulgar como se fossem suas as opiniões dos outros.

Há alguns meses, foi imposta ao O Mossoroense, mediante decisões judiciais liminares, a publicação de textos escritos e editados por terceiros, que, além de dissociadas dos assuntos abordados nas matérias “respondidas”, tentavam colocar palavras absurdas em nossas “bocas”. Coisas do tipo, “o jornal O Mossoroense reconhece...”.

Nunca houve nas citadas manifestações, interesse de esclarecer a opinião pública sobre algo. O objetivo era e continua a ser, a um só tempo, agredir, distorcer, manipular, desmoralizar repórteres e editores, manobra essa que, registra-se por dever de honestidade e reconhecimento, foi percebida e rechaçada por juízes experientes e de bom senso.

Parodiando François Andriex, no conto “O Moleiro de Sans-Souci”, ainda há juízes em Berlim! Do contrário, melhor seria largar a pena e se acomodar entre aqueles três macacos japoneses, o “não vejo”, o “não falo” e o “não ouço”, batendo continência para os que preferem o conforto da espiral do silêncio, na cidade onde até o Judiciário apresenta sua versão Luís XIV.

Nada estranho, sabendo-se que, por estas bandas, instituições emblemáticas a exemplo do Sindicato dos Jornalistas e da Ordem dos Advogados têm baixa tolerância a opiniões negativas, como no episódio envolvendo membros da OAB e o jornalista Bruno Barreto, bombardeado nas redes sociais por criticar, em quatro linhas, de um pedido da instituição ao TRE.

Discordo da opinião do jornalista, como natural e constantemente discordam de mim na redação que dirijo, e expliquei-lhe os motivos. Bruno não se convenceu e contra-argumentou convicto. Debatemos sem ofensas e sem perder as estribeiras, pois encaramos as liberdades de pensamento e de expressão com naturalidade, respeito, amadurecimento.

É simples defender a voz daqueles que comungam dos nossos pontos de vista. Difícil é encontrar quem se mantenha fiel a esse propósito quando o discurso alheio incomoda, constatação que remete a Noam Chomsky, linguista francês, criador da gramática ge(ne)rativa transformacional, gênio da raça, como diria o saudoso mestre Vingt-un Rosado.

Chomsky sofreu o diabo, foi tachado de antissemita e banido de vários ciclos da intelectualidade, porque, embora discordando do conteúdo, teve a ousadia de publicar um artigo em prol do direito de um sujeito chamado Robert Faurisson, professor de literatura da universidade de Lyon, falar sobre a teoria de que o Holocausto nunca aconteceu.

O linguista, que rotulava o Holocausto de “a mais fantástica irrupção de insanidade coletiva na história da humanidade”, não advogou em prol das ideias, e sim pelo direito de o adversário ideológico expressar-se. Ao fim e ao cabo, Faurisson acabou condenado pela absurda acusação de “negar a história oficial”, enquanto Chomsky amargou a execração pública.

Apesar de tudo, a reação do linguista foi equilibrada e definitiva: “a liberdade de expressão (incluindo a liberdade acadêmica) não deve ser restrita a visões que alguém aprova, e que é precisamente no caso de visões que são quase universalmente desprezadas e condenadas é que esse direito deve ser mais vigorosamente defendido”.

Por isso, estou com Sheherazade até na Pérsia, na frente de Shariar, e não abro nem por cem e uma cocada. Embora reconheça que na era do satélite o grito de um sertanejo dos cafundós não sirva de escudo para seu ninguém, grito mesmo assim, porque a ameaça à liberdade de um indivíduo, jornalista ou não, atinge a liberdade de todos nós.

Um comentário:

João Ferreira de Lima disse...

Boa Tarde ! Amigo Cid perfeito o seu pensamento estamos vivendo uma ditadura do politicamente correto não podemos nos expressa com toda a clareza que queremos pois podemos cair na ditadura do politicamente correto e ai pode custar caro ai e preciso nos recolermos e ficarmos calado e isso eu não sei fazer mais eles querem nos calar voce como sempre nos brindando e dando uma verdadeira lição um grande abraço amigo Cid.