Tipos populares frequentam livros, crônicas e artigos de diversos memorialistas e historiadores do Rio Grande do Norte há muitos anos. Em Mossoró existem páginas célebres de escritores de nomeada sobre figuras curiosas que ilustravam, com suas particularidades, a geografia humana local.
Nem sei se tais registros seriam “politicamente corretos” hoje,
em tempos de revisionismo literário. Tais personagens, afinal, destacavam-se
por reagirem a apelidos jocosos, por distinções físicas, por manias diversas e até
por problemas mentais, a exemplo do rapaz que transava com fuscas.
Quando passei a frequentar Assú com regularidade, descobri
que, por aqui, também há narrativas envolvendo personagens curiosas. Roque,
imortalizado em mural de Gilvan Lopes, no Centro, é uma delas. Apesar de cego, dizem,
informava as horas corretas, sem relógio; e percorria a cidade toda sem ajuda.
Roque, o “Cego da Hora”, morreu bem-antes de eu passar a
morar na Terra dos Poetas. Gostaria de tê-lo conhecido e, quem sabe,
entrevistado. Aliás, por que não pensamos nisso, meu amigo Lúcio Flávio? De meu
tempo, entretanto, tomo a liberdade de fazer dois registros: Cachorra Lascada e
Cleonice.
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Roque, o Cego da Hora |
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Roque por Gilvan Lopes |
Cachorra Lascada é magro, de estatura mediana. Às vezes parece ninja, às vezes encarna Rambo, a depender de como enrola a camisa na cabeça. Diariamente luta artes marciais com inimigos imaginários em via pública. Sempre torço por ele, que, até onde sei, não ofende ninguém de “mermo-mermo”.
Cleonice é uma mulher baixinha, gordinha, que anda do raiar
do Sol à alta madrugada catando recicláveis e pedindo dinheiro. Há dias em que nos
encontramos em diversos lugares, nos horários mais variados. A cada novo
esbarrão, dirige-se a mim como se fosse a primeira vez: “R$ 2,00, moço bunito”.
Se estou acompanhado de Clarisse, minha proprietária, Cleonice
vai se chegando com jeito e simpatia: “R$ 2,00, muié bunita e homi bunito”. Se
tenho e dou, o elogio é reforçado com algum gracejo, mas, se não compareço, ela
olha para Clarisse e dispara: “Tão novinha! Tão linda! Esse aí é seu pai?”.
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