As ditaduras são tão estúpidas quanto as pessoas que, desavisadas, quero crer, suplicam por ditaduras. Não me refiro apenas aos fanáticos da extrema direita, porque a tirania tem vários rótulos e rostos. Portanto, não perca seu precioso tempo me questionando sobre Cuba, Venezuela, China, Coreia do Norte. Sou contra toda e qualquer forma de governo despótico, independentemente do rótulo.
Mas o meu objetivo hoje não é
desenvolver raciocínio amplo sobre a temática. Quero apenas contar uma história
sobre a censura, esse instrumento comum aos regimes ditatoriais empregado no
controle da expressão do pensamento, das artes, das comunicações, a partir de
pressupostos morais e ideológicos convenientes aos dominadores no processo de
dominação.
A depender da alienação do
censor, os critérios podem ser personalíssimos, a exemplo do parâmetro adotado pelo
sujeito que vetou a exibição do filme Como
era gostoso o meu francês, de Nelson
Pereira dos Santos. Soube do curioso episódio ocorrido em 1971, ano do meu
nascimento, faz apenas alguns dias. E quem me falou sobre ele foi o professor de
História e pesquisador Marcílio Lima Falcão.
O assunto me interessou porque venho há meses estudando a poesia
fescenina de Assú/RN e, de repente, já na conclusão da pesquisa, deu-me o estalo
de investigar possíveis interferências do regime militar brasileiro em tais
obras. Fescenino, vale dizer, é gênero poético que remonta à Antiguidade
Clássica, caracterizado pelo uso do escárnio, do maldizer, da ironia e da palavra
obscena.
O problema do filme não era o uso de palavrões nem a existência de críticas ao sistema, mas a exploração da nudez, considerando que a trama, baseada no diário do alemão Hans Staden, passa-se em uma aldeia tupinambá. Na verdade, não exatamente a nudez, e sim o detalhe que se revelou a partir dela: o artista que fazia o francês teria o pênis bem maior do que os dos intérpretes dos nossos índios.
O caso está registrado no artigo Censura
e ditadura no Brasil, do golpe à transição democrática, 1964-1988, de
Marcelo Ridenti, professor de sociologia na Unicamp, na Universidade Columbia,
Nova York, e na Universidade de Paris 3. A narrativa é creditada por Ridenti ao
cineasta Denoy de Oliveira, que, em meio às tratativas para liberar a exibição
da película, ouviu o censor dizer, aos berros:
“É um filme que, porra, deixa a
gente, brasileiro, numa posição muito inferior. Aparece aquele francês com um
puta pauzão e os índios brasileiros todos com uns pintinhos pequenininhos”.
Engraçado é que a fixação pelo
tamanho das coisas é pensamento constante dessa gente. Em 2019, um certo
capitão – que não é o Rodrigo – ao posar para foto com um rapaz de aspecto
asiático, perguntou “tudo pequenininho aí?”, enquanto simulava a medida do
pênis do jovem com o polegar e o indicador ligeiramente afastados. Dias depois, declarou em coletiva que, no
Japão, “tudo é miniatura”.
Se tamanho for mesmo documento,
os amantes da ditadura envolvidos na tentativa de golpe de Estado ocorrida em
2022 estão lascados. O relatório da Polícia Federal, que detalha inclusive os
planos dos assassinatos de Lula, Geraldo Alckmin e Alexandre de Morais, tem surpreendentes
884 páginas, dimensão capaz de humilhar o “puta pauzão” do francês e preservar
a reputação nacional.
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