sábado, 18 de janeiro de 2014

Falta de absurdo


Falta de absurdo. O poeta Caio Muniz, governador de Iracema, botou um bar em Mossoró, ali na esquina da Frei Miguelinho com a Princesa Isabel, em sociedade com meu amigo Cário Sheves. Chama-se Camaroon e substituiu o alternativo Bom Bar, se é que isso é possível.

Dizem que a convivência de Caio e Cário com o bar é simbiótica, as raposas e o galinheiro com um monte de garrafas empoleiradas. Eles negam, e eu creio, pois na madrugada de sábado ambos estavam impressionantemente sóbrios, apesar das tentações e das queixas.

O velho Muniz, por exemplo, repetia a frase "A sobriedade é um porre", que inventei quando eu era, como diria o mestre Apolônio Cardoso, "poeta boêmio sem felicidade,/ que canta a saudade aos raios da lua", antes de me quebrarem as asas tortas de anjinho barroco.

Quanto ao resto, valho-me de Oscar Wilde para garantir que "resisto a tudo, menos às tentações". Meus amigos, até onde os conheço, idem. Mas suponhamos que resistam, aí estará provado que a propriedade do bar é o túmulo do boêmio. No sentido figurado, claro.

A festança de inauguração foi arretada. Músicos, escritores, poetas, loucos. Sobrou gente e faltou interferência. Para quem não sabe, interferência era o que nós da Poema - Poetas e Prosadores de Mossoró fazíamos há 15 anos, recitando versos onde não éramos chamados.

Quadros de Rogério Dias e balcões de Escravo ilustram o ambiente. Contudo, repito, faltou interferência. Até me convidaram, e obviamente rejeitei, afinal a coisa deve ser espontânea e partir de onde menos se espera, à la Torquato, de maneira a desafinar o coro dos contentes.

Não somos mais aqueles caras que declamavam poemas em feiras, sinais de trânsito, ônibus, escolas, cabarés. Tempos bons, apesar das não raras hostilidades. Laércio Eugênio chegou a "contratar" o grande Sotopá no Búzio como segurança, após sofrer uns catiripapos.

Lembro da vez em que chamaram a polícia porque Muniz leu sonetos na Cobal. Afastei copos, pratos e me pus de pé sobre a mesa, recitando Florbela, em protesto contra a tentativa de prisão que não ocorreu por muito pouco. Onde estava o Gordinho da Mercatto?

Estamos velhos, bem-comportados, entregues à comunicação preguiçosa das redes sociais, que nos afastam do humano e nos aproximam das musas virtuais. Estamos rendidos à palavra vegetal que se escreve, mas não se grita. Valei-me, Nossa Senhora das Bicicletas.

3 comentários:

Elis Regina disse...

Eis que até o momento não existiam comentários. Talvez porque de fato o comentário mais apropriado para o escrito é: Sem comentário! De vez que esse já é naturalmente um... Assim, haja vista tendo eu quebrado o “silêncio”, complemento: Texto maravilhoso.

Canto de Página disse...

Obrigado, Elis, tudo de bom para você.

Anônimo disse...

Para comentar a Falta de Absurdo, faço minhas as palavras do Trovador das Alterosas, Chico Catingueira que em lugar incerto e não sabido uma vez soltou o verbo. "Lá vem a lua saindo redonda como uma vara, quando bebo cachaça fico danado de raiva." Creio, ser o que Caio Muniz lembrará quando estiver de raposa negociando com galinhas, tão bem citadas no texto.