Falta de absurdo. O poeta Caio
Muniz, governador de Iracema, botou um bar em Mossoró, ali na esquina da Frei
Miguelinho com a Princesa Isabel, em sociedade com meu amigo Cário Sheves.
Chama-se Camaroon e substituiu o alternativo Bom Bar, se é que isso é possível.
Dizem que a convivência de Caio e
Cário com o bar é simbiótica, as raposas e o galinheiro com um monte de
garrafas empoleiradas. Eles negam, e eu creio, pois na madrugada de sábado
ambos estavam impressionantemente sóbrios, apesar das tentações e das queixas.
O velho Muniz, por exemplo, repetia
a frase "A sobriedade é um porre", que inventei quando eu era, como
diria o mestre Apolônio Cardoso, "poeta boêmio sem felicidade,/ que canta
a saudade aos raios da lua", antes de me quebrarem as asas tortas de anjinho
barroco.
Quanto ao resto, valho-me de Oscar
Wilde para garantir que "resisto a tudo, menos às tentações". Meus
amigos, até onde os conheço, idem. Mas suponhamos que resistam, aí estará
provado que a propriedade do bar é o túmulo do boêmio. No sentido figurado, claro.
A festança de inauguração foi
arretada. Músicos, escritores, poetas, loucos. Sobrou gente e faltou
interferência. Para quem não sabe, interferência era o que nós da Poema -
Poetas e Prosadores de Mossoró fazíamos há 15 anos, recitando versos onde não
éramos chamados.
Quadros de Rogério Dias e balcões
de Escravo ilustram o ambiente. Contudo, repito, faltou interferência. Até me
convidaram, e obviamente rejeitei, afinal a coisa deve ser espontânea e partir de
onde menos se espera, à la Torquato, de maneira a desafinar o coro dos
contentes.
Não somos mais aqueles caras que
declamavam poemas em feiras, sinais de trânsito, ônibus, escolas, cabarés.
Tempos bons, apesar das não raras hostilidades. Laércio Eugênio chegou a "contratar"
o grande Sotopá no Búzio como segurança, após sofrer uns catiripapos.
Lembro da vez em que chamaram a
polícia porque Muniz leu sonetos na Cobal. Afastei copos, pratos e me pus de pé
sobre a mesa, recitando Florbela, em protesto contra a tentativa de prisão que não
ocorreu por muito pouco. Onde estava o Gordinho da Mercatto?
Estamos velhos, bem-comportados, entregues
à comunicação preguiçosa das redes sociais, que nos afastam do humano e nos
aproximam das musas virtuais. Estamos rendidos à palavra vegetal que se escreve,
mas não se grita. Valei-me, Nossa Senhora das Bicicletas.
3 comentários:
Eis que até o momento não existiam comentários. Talvez porque de fato o comentário mais apropriado para o escrito é: Sem comentário! De vez que esse já é naturalmente um... Assim, haja vista tendo eu quebrado o “silêncio”, complemento: Texto maravilhoso.
Obrigado, Elis, tudo de bom para você.
Para comentar a Falta de Absurdo, faço minhas as palavras do Trovador das Alterosas, Chico Catingueira que em lugar incerto e não sabido uma vez soltou o verbo. "Lá vem a lua saindo redonda como uma vara, quando bebo cachaça fico danado de raiva." Creio, ser o que Caio Muniz lembrará quando estiver de raposa negociando com galinhas, tão bem citadas no texto.
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