sábado, 11 de janeiro de 2014

"Destinos" de Sulla Mino




Ouvi de um professor no curso de jornalismo, que o texto, para sem bom, tem de ser como um soco no estômago: surpreender, inquietar, intrigar o leitor. Sulla Mino consegue nos envolver de tal modo, que, do abismo, da queda sem fim, damos de cara com a planície. Segura. E, de repente, a terra inviolável abre-se no turbilhão de fonemas.

Puxo da memória a primeira leitura, um conto multimídia, lido por ela com ilustração de alguém cujo nome, desculpem-me, não recordo. Diferente, inovador. O sotaque carioca emoldurando as sílabas, o uísque, o copo quebrado, e Alice, menina arteira que adorava ler, caiu num buraco, contou três ou quatro causos, seduzindo o coelho.

Neste livro autodenominado "rascunho", "rabisco", guardam-se sorrisos muitos que se dizem poucos, confissões tantas que nem se contam. Claro, jura-se escuro porque as letras de Sulla são iluminadas sem renegar a força geradora das sombras, com aquele modo hipnótico de nos arrastar ao fundo das narrativas, tipo a sereia e o náufrago.

Não vejo Gilka, Augusto dos Anjos, Cecília Meireles, muito menos Drummond, o Carlos. Neruda? A Pessoa de Lispector? Vejo Alina, eu, você, a porra do vidro de calmante. Kélia? É um de nós no pesadelo do amor (im)possível? A roda-gigante, horas por cima, horas por baixo, aqui e acolá no solo, no horizonte. O espinho, a rosa, corpo caído.

Nutro o maior tesão por ruivas. Mentira, não tenho preferência, mas Lícia no tango é de lascar. Queria que ela gozasse. Sulla bota pra moer, o leitor quer e não sabe, sabe e não quer. Ela consegue enredar o cotidiano numa trama de sentidos. Consegue passear por temas conhecidos, amor, vida, morte, sem cair na mesmice nem parecer piegas.

A janela sem vistas do "Sexto Andar", porque "Levaram os olhos e já não se pode ver nada", abre-se ao som de Beethoven para uma metáfora inquietante da memória, bem como o "Ritual de Espera" embalado por Ravel. A música, o ritmo, a imagem, o cheiro, a voz da narradora, a pele arrepiada, tudo, o tempo todo, desafia-nos a sonhar.

Livro povoado de gente. Cada indivíduo, desde Lívia e sua carta, Alina, Bebel, Cibele, Leandra, até a moça que não faz muito desfilava as curvas e os cabelos pelo jardim, tem o livre-arbítrio de fazer-se história, de modo que, às vezes, parece repetir o dia a dia perante nossos olhos, como se estivesse bem aqui, contando-se num corpo verbal.

Há anos leitor de Sulla Mino, em prosa e verso, ainda me surpreendo com seu talento de persuadir a realidade a se vestir de ficção. Prefácio, francamente, é troço desnecessário para ela, no máximo ritual, pois suas personagens desvelam-se nos próprios atos e apresentam a autora com quem dividem a magia da criação literária.

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