A leitura é um ato de subversão
da alma. Quem lê transcende o senso comum, avalia melhor a realidade e
desenvolve a perigosa capacidade de questionar. Não à toa, as ditaduras decidem
o que os cidadãos podem ler, como se lhes colocassem daquelas viseiras de burro
de carroça.
Na Idade Média, a literatura
proibida era trancafiada em mosteiros idênticos ao edificado por Umberto Eco,
em O Nome da Rosa, onde o monge cego Jorge de Burgos envenenou páginas de um
livro, causando sete mortes, incluindo a própria, no balanço das trombetas do
Apocalipse.
O Brasil ainda vive a Idade das Trevas.
Em 2012, a pesquisa Retratos da Leitura revelou queda de 9,1% na quantidade de
leitores, no período de quatro anos. Estranho contraponto à proliferação de
cursos universitários e à propaganda sobre a diminuição do analfabetismo.
Mossoró – nossa pátria amada,
idolatrada, salve! salve! – não raro dá vexame nos eventos literários, embora seja
capital intergalática da cultura, chocadeira de intelectuais, criadouro de poetas,
sementeira de academias, berço de bravas editoras com milhares de obras
publicadas.
Faz lembrar Vingt-un, quando,
entristecido com o malogro dos lançamentos realizados na cidade, fez os
cálculos e perguntou no título de uma plaquete: “Em que estrela andam os 9.855
universitários da cidade de Mossoró e os seus 469 professores nas noites de
autógrafos?”
De modo geral, o desinteresse
decorre do tratamento elitista e esnobe que se dá à leitura nas instituições de
ensino, a começar pela imposição de textos impróprios à capacidade cognitiva dos
alunos, uma bruta sacanagem que leva o indigitado a pensar que não nasceu para
aquilo.
Quem foi exposto a Herman
Melville aos 10 anos de idade e obrigado a ler, em letras mínimas, as 635
páginas de Moby Dick, sabe do que escrevo. O Tempo e o Vento, de Érico
Veríssimo, é ar-re-ta-do, mas não para crianças dessa faixa etária, exceto
talvez as superdotadas.
Adultos que não têm o hábito da
leitura também não devem começar – ou recomeçar – por livros complexos nem se
aventurar por assuntos que não lhes interessem. De outro modo, o que deveria
ser prazeroso, um instrumento de libertação da mente, vai se converter em
tortura.
Joyce, Dostoyevsky, Kafka,
Flaubert, Virgínia Woolf, todos autores da melhor qualidade, para quem aprecia
os seus respectivos estilos. Impor gostos particulares à coletividade e infligir
letras iguais aos diferentes são formas de tirania num jogo repulsivo de
dominação cultural.
Por isso, tire o seu Tolstói do
caminho que eu quero passar com a crônica de Dorian, o conto de Jaime Hipólito,
as 20 linhas de Antônio Rosado, o jornalismo de Emery Costa, o cangaço de
Kydelmir, a poesia ferina de Rogério Dias, a historiografia de Raimundo Nonato
e de Raibrito.
Quero mais a liberdade dos versos
de Caio Muniz e Genildo Costa, a precisão das metáforas de Marcos Ferreira e
Everaldo Botelho, a verve de Nildo da Pedra Branca, o cordel fantástico de
Antônio Francisco, a lírica fescenina de Laélio Ferreira, as memórias de Chico
Rodrigues.
O que digo e desejo, com a paixão
de quem junta livros há anos, é poesia para quem é de poesia, prosa para quem é
de prosa, pois literatura boa é literatura com a qual o cabra se identifica. Seja
clássica ou popular, de Moscou, Paris ou Rabo da Gata, a leitura só presta se
der tesão.
Nenhum comentário:
Postar um comentário