sábado, 29 de agosto de 2015

Reunião de pauta



 Na rotina do jornal, há um momento, geralmente à tardinha, em que editores e repórteres debatem as notícias para a edição seguinte. Discute-se desde o grau de confiabilidade da fonte, possíveis enquadramentos dos fatos e versões colhidos, necessidade de aprofundamento da informação, até o que merece constar na primeira página e com que destaque.

Numa dessas reuniões de pauta, percebeu-se que o homicídio, crime da maior gravidade, por envolver a vida humana, tornou-se mero dado estatístico. Mais vale a contabilidade que o fato, situação observada em títulos como “Cidade atinge o 93º homicídio” ou “Itep registra oito assassinatos em 48 horas”, que sepultam todos os casos na vala comum da reportagem.

Quando cheguei ao O Mossoroense, nos anos 80, ainda se escrevia sobre viciados, embriaguez e desordem, vadiagem e furto de galinhas. O noticiário, até meados da década de 90 do século XX, povoava-se de figuras com apelidos fortes, mas sem correspondência com a gravidade dos seus atos, especialmente se comparadas aos delinquentes de hoje.

Ajudado pela memória prodigiosa do repórter fotográfico Luciano Lellys da Silva, com quem tenho o privilégio de haver dividido a reportagem policial naquela época, posso citar algumas figuras lendárias de Mossoró, a exemplo de Brinquedo do Cão, Dragão do Riacho, Dente de Ouro, Guaxinim, Urso, Fogoió, Pé-de-Pato, Santo Preto, Sobrancelha e Fussura.

A periculosidade era quase zero, apesar das denominações exóticas, e muitos deixaram o crime. De grande ajuda nisso foi o Caminhos da Justiça, da juíza Lena Rocha. Dragão do Riacho, para ilustrar, está vivo e, segundo dizem, regenerado. Agora, poucos o conhecem pela alcunha, substituída na memória coletiva pelo nome de batismo, o qual prefiro preservar.

Pé-de-Pato e Sobrancelha traficavam maconha na periferia de Mossoró. “Microempresários informais”, se comparados à indústria de zumbis do crack, que tanto mata no vício quanto na bala. O primeiro, a propósito, morreu com aproximadamente 24 anos durante briga besta num forró no Santo Antônio. O segundo, em Areia Branca, pelas armas de um inimigo.

Os delitos da moda incluíam furto de bicicleta, toca-fitas de carros e bujões de gás, além de arrombamentos a residências. O tráfico não demarcava território com o sangue de usuários inadimplentes e poucos tinham a disposição do jovem Cibinha, suspeito de roubo que, atirando com um revólver em cada mão, finou-se em confronto cinematográfico com policiais.

Assassinatos, estupros, roubos e latrocínios eram raros e, quando ocorriam, chocavam a opinião pública, antes inclusive de 1986. Notório e dramático, o episódio de Beiçola, justiçado na Cadeia Velha, onde o recolheram sob a acusação de haver violentado uma moça. Corria àquele tempo a versão de que os colegas de cela o mataram por empalhamento.

Ocorriam crimes sérios, como se percebe. Uns tantos com requintes de crueldade. Havia também o esquadrão da morte conhecido como Mão Branca, com atuação em todo Estado, cujos membros nunca foram descobertos. O diferencial para os dias atuais é a quantidade e a banalização da violência, que, embora cause incômodo, não espanta o cidadão. 


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