Na rotina do jornal, há um
momento, geralmente à tardinha, em que editores e repórteres debatem as
notícias para a edição seguinte. Discute-se desde o grau de confiabilidade da fonte,
possíveis enquadramentos dos fatos e versões colhidos, necessidade de aprofundamento
da informação, até o que merece constar na primeira página e com que destaque.
Numa dessas reuniões de pauta,
percebeu-se que o homicídio, crime da maior gravidade, por envolver a vida
humana, tornou-se mero dado estatístico. Mais vale a contabilidade que o fato, situação
observada em títulos como “Cidade atinge o 93º homicídio” ou “Itep registra
oito assassinatos em 48 horas”, que sepultam todos os casos na vala comum da
reportagem.
Quando cheguei ao O Mossoroense, nos
anos 80, ainda se escrevia sobre viciados, embriaguez e desordem, vadiagem e
furto de galinhas. O noticiário, até meados da década de 90 do século XX, povoava-se
de figuras com apelidos fortes, mas sem correspondência com a gravidade dos seus
atos, especialmente se comparadas aos delinquentes de hoje.
Ajudado pela memória prodigiosa do
repórter fotográfico Luciano Lellys da Silva, com quem tenho o privilégio de
haver dividido a reportagem policial naquela época, posso citar algumas figuras
lendárias de Mossoró, a exemplo de Brinquedo do Cão, Dragão do Riacho, Dente de
Ouro, Guaxinim, Urso, Fogoió, Pé-de-Pato, Santo Preto, Sobrancelha e Fussura.
A periculosidade era quase zero,
apesar das denominações exóticas, e muitos deixaram o crime. De grande ajuda nisso
foi o Caminhos da Justiça, da juíza Lena Rocha. Dragão do Riacho, para ilustrar,
está vivo e, segundo dizem, regenerado. Agora, poucos o conhecem pela alcunha, substituída
na memória coletiva pelo nome de batismo, o qual prefiro preservar.
Pé-de-Pato e Sobrancelha traficavam
maconha na periferia de Mossoró. “Microempresários informais”, se comparados à
indústria de zumbis do crack, que tanto mata no vício quanto na bala. O
primeiro, a propósito, morreu com aproximadamente 24 anos durante briga besta num
forró no Santo Antônio. O segundo, em Areia Branca, pelas armas de um inimigo.
Os delitos da moda incluíam furto
de bicicleta, toca-fitas de carros e bujões de gás, além de arrombamentos a
residências. O tráfico não demarcava território com o sangue de usuários
inadimplentes e poucos tinham a disposição do jovem Cibinha, suspeito de roubo
que, atirando com um revólver em cada mão, finou-se em confronto cinematográfico
com policiais.
Assassinatos, estupros, roubos e
latrocínios eram raros e, quando ocorriam, chocavam a opinião pública, antes
inclusive de 1986. Notório e dramático, o episódio de Beiçola, justiçado na Cadeia
Velha, onde o recolheram sob a acusação de haver violentado uma moça. Corria àquele
tempo a versão de que os colegas de cela o mataram por empalhamento.
Ocorriam crimes sérios, como se
percebe. Uns tantos com requintes de crueldade. Havia também o esquadrão da
morte conhecido como Mão Branca, com atuação em todo Estado, cujos membros
nunca foram descobertos. O diferencial para os dias atuais é a quantidade e a
banalização da violência, que, embora cause incômodo, não espanta o cidadão.
Nenhum comentário:
Postar um comentário