A Casa de Rui
Barbosa vai rever o sigilo de vários arquivos confiados à sua guarda. São, em
geral, cartas e diários de intelectuais doados à instituição, com a exigência
de que determinados documentos permaneçam em segredo até uma data xis. Para se
ter ideia, há material em “quarentena” até 2097, segundo informa a Folha de S.Paulo.
O debate é complexo
e deve render. Pesquisadores evocam o interesse público e o direito de acesso à
informação. Depositários, noutro quadrante da arena, temem as repercussões jurídicas
e, mais ainda, que a quebra dos acordos de segredo lhes cause descrédito, dificultando
doações importantes para a história e a cultura nacionais.
A última controvérsia
envolve a divulgação de uma carta de Mário de Andrade a Manoel Bandeira, aberta
por ordem da Controladoria-Geral da União (CGU), na qual o primeiro faz
referências à própria sexualidade. No episódio, diga-se, a reserva imposta pela
família vencera-se em 1995, assim como o tempo estabelecido no testamento de
Mário.
Na missiva de 7
de abril de 1928, a qual tive acesso via internet, o gênio de Macunaíma
realmente se refere a comentários da época sobre sua “tão falada (pelos outros)
homossexualidade”. Algo, como ele bem-escreve a Bandeira, do interessa de
ninguém, a não ser dos “socializadores” da vida privada alheia, palavra requintada
para “fofoqueiros”.
O texto não abre
o guarda-roupa do autor modernista, mas o debate em torno dele revela o caráter
transcendental da hipocrisia. A polêmica de 2015 tem a mesmíssima base da
reserva imposta pelos depositários da mensagem na Casa de Rui Barbosa: o medo,
o receio de que a pessoa seja julgada – e não raro condenada – por ser
homossexual.
Ensaísta,
musicólogo, folclorista, escritor, crítico literário, pioneiro da poesia
moderna com a estética de Paulicéia Desvairada, missivista. Gênio que rechaçava
“o bom burguês”, o “purée de batatas morais!”, os “temperamentos regulares”, os
que cheiram a religião sem crer em Deus. O que isso muda se o cabra era gay,
hétero ou assexuado?
Justo,
portanto, que os institutos voltados à preservação da memória brasileira revejam
seus critérios quanto à privacidade dos autores, conjugando utilidade,
relevância e os contratos firmados. E que se afastem desse viés retrógrado do
preconceito que impediu o acesso dos leitores à correspondência de Mário a
Bandeira, por 20 anos além do exigido.
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