sábado, 25 de julho de 2015

A “tão falada... homossexualidade”




A Casa de Rui Barbosa vai rever o sigilo de vários arquivos confiados à sua guarda. São, em geral, cartas e diários de intelectuais doados à instituição, com a exigência de que determinados documentos permaneçam em segredo até uma data xis. Para se ter ideia, há material em “quarentena” até 2097, segundo informa a Folha de S.Paulo.

O debate é complexo e deve render. Pesquisadores evocam o interesse público e o direito de acesso à informação. Depositários, noutro quadrante da arena, temem as repercussões jurídicas e, mais ainda, que a quebra dos acordos de segredo lhes cause descrédito, dificultando doações importantes para a história e a cultura nacionais.

A última controvérsia envolve a divulgação de uma carta de Mário de Andrade a Manoel Bandeira, aberta por ordem da Controladoria-Geral da União (CGU), na qual o primeiro faz referências à própria sexualidade. No episódio, diga-se, a reserva imposta pela família vencera-se em 1995, assim como o tempo estabelecido no testamento de Mário.

Na missiva de 7 de abril de 1928, a qual tive acesso via internet, o gênio de Macunaíma realmente se refere a comentários da época sobre sua “tão falada (pelos outros) homossexualidade”. Algo, como ele bem-escreve a Bandeira, do interessa de ninguém, a não ser dos “socializadores” da vida privada alheia, palavra requintada para “fofoqueiros”.

O texto não abre o guarda-roupa do autor modernista, mas o debate em torno dele revela o caráter transcendental da hipocrisia. A polêmica de 2015 tem a mesmíssima base da reserva imposta pelos depositários da mensagem na Casa de Rui Barbosa: o medo, o receio de que a pessoa seja julgada – e não raro condenada – por ser homossexual.

Ensaísta, musicólogo, folclorista, escritor, crítico literário, pioneiro da poesia moderna com a estética de Paulicéia Desvairada, missivista. Gênio que rechaçava “o bom burguês”, o “purée de batatas morais!”, os “temperamentos regulares”, os que cheiram a religião sem crer em Deus. O que isso muda se o cabra era gay, hétero ou assexuado?

Justo, portanto, que os institutos voltados à preservação da memória brasileira revejam seus critérios quanto à privacidade dos autores, conjugando utilidade, relevância e os contratos firmados. E que se afastem desse viés retrógrado do preconceito que impediu o acesso dos leitores à correspondência de Mário a Bandeira, por 20 anos além do exigido.

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