Ela escreve ao “antigo” amigo encurralando o adjetivo
entre aspas para evocar o sabor da metáfora. Afirma não resistir à opressão do
silêncio. É preciso quebrá-lo para falar das armas, dos golpes e da última
ferida. Começa a escrever sobre o ato de escrever. Busca em Clarice Lispector a
sentença de que às vezes “É duro quebrar rochas” com palavras, mas não perde a
convicção: “Escrever é minha liberdade!”
E livre, prossegue com o texto. Mede cada verbete,
esquadrinha frase a frase, encadeia o fluxo dos parágrafos. Talento não lhe
falta para o jogo das letras, tanto que os sons e as imagens se entregam de
corpo e alma aos caprichos da moça de Marte e de Além-Mar. Nas últimas linhas,
avisa sobre o próprio funeral e acusa o poeta imaginário, o tal “antigo” amigo,
pelo assassinato das flores no esplendor da primavera.
Apesar de tantas queixas, reconhece no criminoso a
sinceridade. Reconhece que o sujeito a avisou inúmeras vezes acerca dos perigos
que se escondem entre o sexo e o sabor das uvas fermentadas, principalmente no
vácuo onde a arte se confronta com a vida, onde o desejo não é mais que um
escravo iludido por falsas promessas de luz e a realidade implacável rouba sem
remorso o viço e a poesia das madrugadas.
A doce Charneca em Flor que no mundo anda perdida e navega
em navios fantasmas desejando mil coisas sem saber ao certo o que deseja
apazigua-se, contendo o ímpeto da Roseira Brava para dizer que a feriram de
morte com algo “cortante e afiado, tipo faca, estilete ou punhal” e declara friamente
àquele que considera seu algoz: “Parabéns! Dessa vez você usou a arma certa e o
sucesso foi imediato e absoluto”.
O poeta imaginário, inimigo do lirismo, recebe a carta.
Lê. Relê. E responde: “Para você, Sóror Saudade, escrevo estas palavras tardias,
as que prometi faz tanto e tanto, palavras agora tristes, incapazes de curar
dores de amor ou surtos de insensatez. Infelizmente, não tenho nada de alegria
para oferecer por lenitivo, pois a lâmina torpe que me acusa de ser é quem mais
sofre quando rasga o coração de uma flor”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário