sábado, 4 de outubro de 2014

Hino da derrota


No relógio, 21 horas. Atraso, odeio atrasos! Saí às pressas do apartamento no Barro Vermelho. Noite quente. O clima de Natal depunha contra a fama de Mossoró, detalhe que certamente disfarçou os reais motivos dos suores na testa. O cinto incomodava as carnes e, já no elevador, entre o primeiro andar e o térreo, uma pontada atravessou-me horizontalmente a barriga, abaixo do umbigo, e desapareceu. Tudo prenunciava problemas.

Ignorei os sinais do corpo, sem imaginar as proporções do conflito prestes a ser deflagrado na região da baixa Mesopotâmia, entre o Tigre e o Eufrates. Fui jantar fora, no shopping, onde duas amigas aguardavam-me, famintas, roendo as unhas (mentira, as impacientes jantaram antes). Comi uma terrina de espaguete ao molho quatro queijos, o prato de sempre, muito mais por falta de conhecimento do que por preferência culinária. 

Finalizada a ceia, as duas amigas foram dormir. Eu, com a minha mulher curtindo as férias dela, em Tibau, não encontrei alternativa decente senão cair na farra, na esbórnia, ir à luta. Heureca! Ponta Negra! Isso mesmo, hoje é quarta, dia de Ponta Negra! No entanto, a alegria da solteirice durou pouco. Para ser exato, durou até a descida do viaduto, onde os radares eletrônicos limitam a velocidade dos carros a 70 quilômetros por hora.  

Ali, naquele lugar fatídico, naquela hora sinistra, as tripas abriram fogo contra a humanidade. A Mesopotâmia entrara em guerra, a léguas do banheiro coletivo menos distante. Valei-me, Nossa Senhora das Bicicletas! Busquei apoio espiritual, enquanto corria desesperado, ou melhor, desesperava-me por não poder correr. É preferível sujar o banco numa batalha peristáltica do que cair nas armadilhas pecuniárias do Código de Trânsito. 

Estacionamento! Quede a droga do estacionamento? Meu reino por uma vaga! Dez minutos de eterna busca. Encontrei-o a 500 metros do banheiro. Desci em disparada, carreira de maratonista, marcha atlética, aquela em que se anda ligeiro, sem afastar muito as coxas. Correr de modo normal pode ser trágico em determinadas circunstâncias. A linha de chegada. Do outro lado, a salvação da lavoura, o alívio! Fiquei otimista, sorri. 

“Ocupado”, diziam letrinhas vermelhas acima da fechadura da porta. Droga de novo! Olhei para baixo. A tristeza aumentou. Percebi, saindo por baixo da porta, um pé esquerdo com sandália trançada, tipo surfista, batendo repetida e lentamente no chão. Sinal de paciência. Deve estar lendo. E estava. Dali de fora, mesmo com o barulho do ambiente, do xixi nos urinóis, da água nas pias, ouvia-se a passagem das folhas da maldita revista. 


O barulho das folhas. Uma folha. Duas folhas. Três folhas. A quarta. A quinta. A sexta. O mundo de folhas. Será uma enciclopédia? O som das folhas já me parecia o hino da derrota. Opa! Um barulho diferente de papel. A descarga. A porta aberta. O homem notou a minha aflição. Eu branco, contorcido, grave. Ele ainda riu, sarcástico, preguiçoso e se foi sem fazer comentários. Quase não dava tempo, mas deu. Ufa, que alívio!

2 comentários:

Juliana Soares disse...

Boa noite!

Gostaria de entrar em contato para sugerir a publicação de um artigo. Meu e-mail é escritora.julianasoares@bol.com.br

Obrigada!

Anônimo disse...

Bom. Passando Para parabenizar, o jornal O Mossoroense, pelos seus 140 anos de existência e importanres serviços prestados não, só a mossoró mas a toda a região.

Parabéns pela bonita história.

João Paulo, de Icapuí-Ce.