No relógio, 21 horas. Atraso, odeio atrasos! Saí às pressas do apartamento
no Barro Vermelho. Noite quente. O clima de Natal depunha contra a fama de
Mossoró, detalhe que certamente disfarçou os reais motivos dos suores na testa.
O cinto incomodava as carnes e, já no elevador, entre o primeiro andar e o
térreo, uma pontada atravessou-me horizontalmente a barriga, abaixo do umbigo,
e desapareceu. Tudo prenunciava problemas.
Ignorei os sinais do corpo, sem imaginar as proporções do conflito
prestes a ser deflagrado na região da baixa Mesopotâmia, entre o Tigre e o
Eufrates. Fui jantar fora, no shopping, onde duas amigas aguardavam-me,
famintas, roendo as unhas (mentira, as impacientes jantaram antes). Comi uma
terrina de espaguete ao molho quatro queijos, o prato de sempre, muito mais por
falta de conhecimento do que por preferência culinária.
Finalizada a ceia, as duas amigas foram dormir. Eu, com a minha mulher
curtindo as férias dela, em Tibau, não encontrei alternativa decente senão cair
na farra, na esbórnia, ir à luta. Heureca! Ponta Negra! Isso mesmo, hoje é
quarta, dia de Ponta Negra! No entanto, a alegria da solteirice durou
pouco. Para ser exato, durou até a descida do viaduto, onde os radares
eletrônicos limitam a velocidade dos carros a 70 quilômetros por
hora.
Ali, naquele lugar fatídico, naquela hora sinistra, as tripas abriram
fogo contra a humanidade. A Mesopotâmia entrara em guerra, a léguas do banheiro
coletivo menos distante. Valei-me, Nossa Senhora das Bicicletas! Busquei
apoio espiritual, enquanto corria desesperado, ou melhor, desesperava-me por
não poder correr. É preferível sujar o banco numa batalha peristáltica do que
cair nas armadilhas pecuniárias do Código de Trânsito.
Estacionamento! Quede a droga do estacionamento? Meu reino por uma vaga! Dez minutos de eterna busca. Encontrei-o a 500 metros do banheiro.
Desci em disparada, carreira de maratonista, marcha atlética, aquela em que se
anda ligeiro, sem afastar muito as coxas. Correr de modo normal pode ser
trágico em determinadas circunstâncias. A linha de chegada. Do outro lado, a
salvação da lavoura, o alívio! Fiquei otimista, sorri.
“Ocupado”, diziam letrinhas vermelhas acima da fechadura da porta. Droga
de novo! Olhei para baixo. A tristeza aumentou. Percebi, saindo por baixo
da porta, um pé esquerdo com sandália trançada, tipo surfista, batendo repetida
e lentamente no chão. Sinal de paciência. Deve estar lendo. E estava.
Dali de fora, mesmo com o barulho do ambiente, do xixi nos urinóis, da água nas
pias, ouvia-se a passagem das folhas da maldita revista.
O barulho das folhas. Uma folha. Duas folhas. Três folhas. A quarta. A
quinta. A sexta. O mundo de folhas. Será uma enciclopédia? O som das
folhas já me parecia o hino da derrota. Opa! Um barulho diferente de papel.
A descarga. A porta aberta. O homem notou a minha aflição. Eu branco, contorcido,
grave. Ele ainda riu, sarcástico, preguiçoso e se foi sem fazer comentários.
Quase não dava tempo, mas deu. Ufa, que alívio!
2 comentários:
Boa noite!
Gostaria de entrar em contato para sugerir a publicação de um artigo. Meu e-mail é escritora.julianasoares@bol.com.br
Obrigada!
Bom. Passando Para parabenizar, o jornal O Mossoroense, pelos seus 140 anos de existência e importanres serviços prestados não, só a mossoró mas a toda a região.
Parabéns pela bonita história.
João Paulo, de Icapuí-Ce.
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