Que
merda! Perdi as palavras ou as palavras se perderam de mim. Não sei ao certo,
e, para falar a verdade, pouco me importa escrever de coração vazio, boca seca
e olhos ateus. Talvez tenham arranjado um amante para aliviar o tédio de um
casamento de quase 30 anos, cheio de entregas e abandonos, muito mais desleixo
que cuidado.
No
começo desta avassaladora crise verbodegradável, tanto perplexo quanto
desesperado, cortei os pulsos com o fio cego de adjetivos primitivos, daqueles
que estraçalham a carne em que se esfregam na substantivação da raiva. Enquanto
esvaía-se o sangue, reli coisas minhas tiradas dos bolsos da calça, de gavetas
e de arquivos digitais.
Inútil
exercício de autoflagelo, porque, sinceramente, detesto quase tudo o quanto
escrevo. E publico. Alguns textos fedem a roupa suja. Mas, apelei a Vinícius,
Drummond, Quintana, Florbela. Pessoa mente e não me acode para declarar a
tristeza por Gabriel García Márquez, que partiu deixando-me à mercê de cem mil anos
de solidão.
Olhava
a tela do PC e broxava. Recorri ao bloco de papel, rabisquei versos, ensaiei
crônica, em abjeta tentativa de masturbação intelectual. Pensava na gota d'água
que não amolece e muito menos fura, visto que nem os fantasmas de Charles
Dickens abalam o coração da pedra bruta, e dura, quando me surpreendeu a flor
cantando assim:
“Veleja,
barquinho, veleja!
Veleja
nas ondas do mar.
Leva-me
sem remos, sem velas.
Leva-me
sem vento e luar.
Veleja,
barquinho, veleja!
Por
que não sei velejar.
Sozinho
eu me perco, barquinho.
No
vai e volta das ondas,
Das
ondas, das ondas de amar.
Veleja
e me leva, barquinho.
Veleja
para outro lugar.
Joga-me
numa ilha, sozinho.
Bem
longe das ondas do mar.
Veleja,
barquinho, veleja!
Que
eu rezo para não naufragar
A
nau do meu coração,
No
vai e volta das ondas,
Das
ondas, das ondas de amar”.
Versos
alheios tão meus, que dispenso dizer algo por agora. Já soltei a caneta e rasguei
a papelada. Falta desligar o computador e velejar sem remo, sem rumo, sem prumo,
sem vento, entregue a ondas que vão, que vêm e que me lambem os pensamentos
cabeludos, até encontrar a ilha onde enterraram o baú das palavras perdidas em
mim.
2 comentários:
Perfeito!
Você é o cara.
Perfeito!
Você é o cara.
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