Você mexe comigo de um jeito que
não deveria. Ou deveria? O fato é que mexe com a suavidade de um soneto de
Florbela Espanca. Sabe aquele?... "Sou talvez a visão que alguém sonhou/ Alguém
que veio ao mundo prá me ver/ E que nunca na vida me encontrou"... Lembra?
Difícil resistir à ocasião de se
fazer ladrão quando, na covardia, sacode os cabelos e me arrasta da memória uns
versinhos franzinos alinhavados timidamente em estrofes juvenis que mal cabem
em si de tanta insensatez. A vontade é a de assaltar-lhe mísera dúzia de
beijos.
Ainda mais se abre a boca num
vendaval de doidices e entorna sem cuidado o caos nos meus ouvidos, acusando-me
de saber, de me fazer mouco, doido, algo assim. Logo eu, criatura, sempre incriminado
do contrário, de ouvir e promover delírios no lirismo restante da embriaguez.
Às vezes me enrosco em sua língua
numa luta sem tréguas, à caça de gemidos. Outras, minhas mãos violam seu
vestido e se perdem na multidão dos próprios dedos. Certas horas lambuzo suas coxas,
suas costas, a barriga, até desmaio à sombra de estrelas invisíveis. Sente?
Eu mexo com você, diz você, de um
jeito que não poderia. Ou poderia? Talvez seja a pele, só pode ser. Coisa de
pele não se explica e muito menos se prova. A arquitetura do arrepio desconstrói
a espinha, espalha o sangue e infla de repente os pulmões, mas nunca deixa
rastro.
Não precisa escancarar a janela, a
musa só espera uma brecha para invadir o ambiente nas patas de um gato pardo
desses que vivem por aí, sem eira nem beira, sobrevivente do amor com hora
marcada. Não fará barulho nem incomodará os anjos caídos pela sala de estar.
Creia.
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