Meus avós paternos mudaram-se
para Natal na década de 1960, a fim de acompanhar os filhos que já se
encontravam por lá, estudando. Moraram na Deodoro e, por fim, na Cônego Leão
Fernandes, logradouros coincidentemente transversais da rua Mossoró.
O velho se chamava Jerônymo
Lahyre de Mello Rosado. Farmacêutico e inspetor de ensino, além de boêmio
inveterado, tinha vastos conhecimentos gerais e uma memória prodigiosa. No
aniversário de 90 anos, três antes de nos deixar, recitou poemas de Augusto dos
Anjos e explicou as declinações do Latim. Tranquilo, conciliador, era dono de
um senso de humor singularíssimo, entre a gaiatice e a ingenuidade.
A jovem atendia pelo nome de Francisca
Gurgel da Frota Rosado. Dona de casa, dedicou dias e noites numa máquina de
costura para ajudar a garantir a educação dos filhos. Nasceu em Pau dos Ferros
e lamentava-se por não conhecer a própria terra, de onde saiu criança. Braba,
austera, talentosa, assisti-a ministrar cursos de pintura de vitrais - até pintei
uma arara sob sua orientação - e de congelamento de alimentos, coisa inovadora
no Rio Grande do Norte da época. Deixou-nos aos 87.
Faz algumas semanas, conversei
sobre os dois com Ernani Rosado, logo após receber do primo uma joia de
família, da qual me nomeou guardião vitalício: o caderno original dos poemas
manuscritos por Jerônimo Rosado Filho, avô de Ernani, meu bisavô, acompanhado
da obrigação de romper seu ineditismo, missão a ser brevemente cumprida.
Rosadinho, só para ilustrar, foi
o primeiro dos 21 "numerados" de Seu Rosado, embora não tenha recebido
um número por nome. Médico humanitário, poeta, colaborador de vários jornais,
autor da tese "Da Bacilemia", morreu no verdor dos 30 anos.
Disse-me Ernani, na mesma
oportunidade em que me designou curador da obra, que, ao se mudar da Deodoro
para a Cônego Leão Fernandes, dona Francisca plantou várias samambaias em
jarros e xaxins.
As plantas eram tratadas a pão de
ló - sol, adubo, água fresca -, mas não se desenvolviam nem por cem e uma cocada,
enquanto as da vizinha, embora sem cuidados, eram enormes, pomposas, com
aqueles galhos viçosos que pareciam "trançados de cordas", fazendo
jus à origem tupi de sua denominação: çama-mbai.
Certa feita, à mesa do jantar,
família reunida, ela desabafou. Disse, um muito amargurada, desconhecer por
qual motivo suas "pteridófitas" não respondiam ao tratamento,
enquanto as da casa ao lado só faltavam falar.
Eis que o velho Lahyre, meio sem
jeito, fez uma inesperada confissão e pôs fim ao mistério. Quando as samambaias
começavam a crescer, para impedi-las de ultrapassar a circunferência dos
jarros, ele, na melhor intenção de agradar à mulher, passava-lhes a faca, por "questão
de estética".
Moral da história: o gosto, já
dizia Edgar Allan Poe, é o único juiz da beleza.
Nenhum comentário:
Postar um comentário