Ainda estou paralisado no entreolhar daquelas duas. Tanto
que há cinco noites, o mesmo sonho erótico me invade a cama, instalando-se
entre mim e a mulher amada, enquanto ela dorme inocente, sem desconfiar da
traição incendiando o próprio leito. Tanto que os meus dedos, rendidos à
embriaguez por espasmos hormonais, confessam ao teclado do computador essas
lúbricas intimidades.
As duas se cruzando num olhar são faca mirando faca,
enquanto a plateia vai ao delírio, delírio contido de voyeur que não
deseja nem de longe ser notado, para não interferir no jogo das feras. Belas?
De que valem as belas entre as feras? Melhor as feras, o coração das feras, o
sexo das feras devorando as belas. Desde menino sei que amor entre feras é mais
terra, é mais peixe, é mais planta, é mais humano.
Perdoem-me os ditos puros, mas a carne que me envolve é
fraca – muito fraca! – e a liberdade dos meus pensamentos é indevassável, a
ponto de eu dizer, sem o confortável recurso da metáfora profunda, que mulheres
que gemem na cruz e na espada são o maior tesão, a fantasia mais ou menos
secreta de todo cabra macho e de muitas fêmeas no cio, fogo que devora fogo na
maciez de uma língua.
Mulheres que gemem na cruz e na espada são a reencarnação da
tempestade. O entreolhar daquelas duas me contou. Tempestade capaz de arrasar
plantações, de sacudir montanhas, de arrancar telhados, de estremecer o corpo,
devorar suspiros e desferir uivos na boca do estômago. Tempestade prenúncio de
calmaria, bonança que sucede o gozo, se o orgasmo é mútuo, profundo e se
completa.
Abençoa-me, Deusa da Águas Doces, pois o amor das duas é
pureza. É mão dupla. É paciência. É miragem. Perdoa-me, Mãe da Natureza, por
quando o amor das duas for lábio, língua, peito, quando for tremelique, quando
for sacanagem, quando for mais desejo do que agora e eu morrer de tesão e de
inveja, contemplando o duelo das coxas que em minhas torpes viagens já
escorregam na saliva.
O amor das duas, quem me dera a graça, o pão e o vinho de
morrer por um instante na conjunção daqueles seios! Ah, que os ventos me guiem
nas estradas da luxúria, pelos campos selvagens do espírito onde a salvação e o
pecado não oprimem o ser humano, porque estão bem acima das verdades, onde eu
possa ser o mar bebendo as águas de dois rios mágicos e fundos que habitam a
mesma foz.
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