“Qual a diferença entre orquestra sinfônica e
orquestra filarmônica?” Perguntei sabendo a resposta – falava-se que a
sinfônica era mantida pelo Estado, enquanto a filarmônica subsistia de
investimentos privados –, mas foi a desculpa que me veio à mente, “de chofre”,
como diria o poeta Marcos Ferreira, para abordar Hédimo Jales, o Capitão
Caverna, naquela tarde, no início dos anos 1990.
De tão vivo na memória, até parece ontem. Hédimo Jales
e Caby da Costa Lima conversavam na calçada do jornal O Mossoroense. Tasquei a
pergunta, sem ao menos cumprimento, e Caverna prontamente respondeu aquilo o
que, na verdade, aprendi com ele próprio, dias antes, num “aulão” preparatório
para o vestibular da Uern, à época Urrn – Universidade Regional do Rio Grande
do Norte.
Precisava ser amigo dele. De Caby, já o era, e o
camaradinha nos apresentou com a velha história de que me tirou o cabaço. “No
microfone!”, explicou na sequência, para apaziguar os olhares de espanto. Isso,
porque me fez balbuciar alguma coisa para os ouvintes da Tapuyo, em 1980,
quando, aos nove anos, entrei no estúdio da rádio e dei de cara com aquele
sujeito de tamancos e cabelo black power.
Pois bem, estava decidido a me aproximar do Capitão
desde quando testemunhei o cara recitar poemas de Gregório de Matos Guerra, com
uma paixão contagiante... “A vós correndo vou, braços sagrados,/ Nessa cruz
sacrossanta descobertos/ Que, para receber-me, estais abertos,/ E, por não
castigar-me, estais cravados”... Buscando a Cristo é o título dessa obra da fase
religiosa do “Boca do Inferno”.
Tornamo-nos não apenas “muito bons amigos”, tomando
aqui a expressão de Caby da Costa Lima, pois da amizade, das farras, das
noitadas de prosa e verso tanto no alto quanto no baixo meretrício, surgiu a
admiração recíproca. De repente, não sei se motivo de orgulho ou de desespero, minhas
mal traçadas tornaram-se objeto de análise em turmas de literatura de afamadas escolas
de Natal.
Certa madrugada, toca o telefone. Do outro lado,
Hédimo no fogo dos primeiros meses da separação conjugal, contando estar no
motel com a namorada linda e nua à sua frente. “Preciso de um soneto”, ordenou-me,
“e o título é Deusa Materializada”. Ponderei: “Porra, Capitão, pela caridade, somos
amigos, como vou imaginar sua namorada... ?”. E ele interrompeu: “Não tenho
ciúme de você!” Deu nisto:
DEUSA MATERIALIZADA
Para a deusa ser carne um só momento,
É preciso que o homem seja fera,
Um louco a encontrar a primavera
Nas folhas que o outono lança ao vento.
E vê-la assim em pelo, não se espera,
Nua e crua entre a paz e o movimento,
É ver as faces mil do encantamento,
É gozar nos espasmos da pantera.
Venha a mim, deusa-mãe da tempestade,
Filha do vento, irmã da claridade,
Bendizer essa ardente insensatez.
Venha logo, tangendo a velha chama,
Receber oferendas sobre a cama,
Fazer-se carne ao menos uma vez.
O Captain! my
Captain!, eis-me aqui outra vez, o eterno aluno saudando-o com o verso de Walt
Whitman, pois hoje, 12 de fevereiro de 2018, é seu aniversário e,
independentemente disso, você é digno de todas as homenagens, todos os dias. Desejo-lhe
saúde, saúde... e saúde para que o privilégio de sua amizade e o brilho de sua
inteligência nos guie por mais 59 anos. Pelo menos!
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