CONTO EM
VERSO NO ESTILO REALISTA MENTIROSO
Errada
noite,
o cara sai
de casa
com a melhor
intenção
de beber um
puro malte
no lugar de
sempre.
A rua
interditada,
no entanto,
o faz descer
no lugar errado,
uma bodega
bonita,
pomposa,
chique,
cheia de
mentes vazias,
entretanto
felizes,
gritando:
- Gooool!
- Goooooool!
- Gooooooooooool!
O garçom,
concentrado na TV
de sei lá
quantas mil polegadas,
serve-lhe um
chopp
que não foi
pedido,
e com
colarinho.
- Três
centímetros, diz ele,
apresentando
indicador,
anelar e médio
como base de
mira
para o olho
direito
vidrado na tulipa.
Para não ser
grosseiro,
o inocente
bebe,
corneando o
velho bar,
o velho
uísque.
Pior:
ele sente
prazer
naquela
atitude
abjeta.
Espuma
viscosa,
líquido
suave,
copo cheio
de curvas
sinuosas.
Trai uma!
Vira! Vira!
Vira!
Trai duas!
Vira! Vira!
Vira!
Trai três!
Virou!
Até que a
coisa o enche
e o ameaça
de ressaca
apontando-lhe
contra as
paredes da garganta
um gosto de
guarda-chuva
no final do
gole.
O sujeito se
levanta irritado,
pois não
funciona sob pressão,
mija a
primeira,
mija a
segunda,
mija a
terceira
e percebe
que traição
é bala trocada.
Sabe a
lombra do pau e do machado?
Pois é,
O risco de
um...
O risco do
outro...
Coisa e tal.
Traído uma...
Vira? Vira?
Vira?
Traído duas...
Vira; vira; vira.
Traído três...
Virou.
Sem contar a
humilhante
insurgência
de arrotos
e conturbações
intestinais.
Imagina só,
boêmio
inveterado,
passado na
tampa da garrafa,
fodido e malpago
por uma
bebidazinha
fermentada
que não
amadureceu
porque nunca
tinha visto
um carvalho de
verdade
pela frente.
Envergonhado,
caído na
real,
o indivíduo
junta os
cacos de dignidade
que lhe
restam
e chama o
garçom
cujo nome
desconhece.
Bar novo,
bebida nova,
sabe como é.
- Amigo,
dose dupla de Glenfiddich, por favor.
- Que diabo
é isso? O senhor me respeite ou chamo o Gordinho da Mercatto.
- Tudo bem,
tudo bem. Rainha dupla, pode ser?
- Evidentemente.
O cara bebe
devagar
esfregando a
língua grossa
no céu da
boca,
até lembrar
o mínimo aceitável
aquele gosto
de cevada
dos
seiscentos papafigos.
Parece decifrar
o que
Rimbaud quis dizer
com a malcontada
de “Uma
cerveja no inferno”.
Sofreu pra
cacete
e deixou
de graça
a lição dos
seus cornos:
boêmio de
verdade
deve ser
fiel aos seus bares
e ao que
bebe,
mesmo diante
das maiores tentações
ou meros
imprevistos.
Contudo, se
é de
vez em
quando
trair as
convicções etílicas,
no copo,
na garrafa
ou no
caneco,
para
desanuviar,
traia,
desde que o
faça com algo
que esfole o
esôfago,
mas não o
desmoralize
nem o mate
de dor de cabeça.
- Outra
dupla de Rainha,
pela
caridade.
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