Mossoró-RN, 31 de julho de 2014.
Chico, meu bom,
não vou tratá-lo de “senhor”, pois, comparar
sua jovialidade de 81 anos com meus 42 de artrite, o deixaria em desvantagem.
Além do que, “Seu Chico”, “Doutor Chico”, “ilustríssimo” pra lá, “ilustríssimo”
pra cá, nada disso combina com o homem brilhantemente simples que conheço e
admiro.
Pensei em lhe enviar estas mal traçadas pelo
método tradicional, em homenagem à memória de seu pai, Neco Carteiro, a quem
não tenho o privilégio de haver conhecido, mas que foi, sem dúvida, cidadão
exemplar, tirando pelo caráter dos filhos e pelo gesto descrito no livro lançado
hoje.
Ventilei a hipótese por me lembrar de Celso
da Silveira, quase meu vizinho do Tirol, em Natal, ele morador da Alexandrino
de Alencar e eu da Joaquim Inácio. Quando tinha algo a dizer-me, o poeta
metia-se no táxi, descia aos Correios da Ribeira e postava uma carta.
Contudo, embora minha situação seja cômoda,
pois os Correios ficam a poucos metros da redação do O Mossoroense, a preguiça
às vezes vence o romantismo, de modo que a entrego em mãos e já vou
perguntando:
Homem, pra que você fez isso?
Não me refiro aos motivos da obra nem ao
grito de Telé naquele dia fatídico, “na hora trágica do infortúnio marcada no
claro relógio de Deus pelo dedo escuro do diabo”, como diz Humberto de Campos
na Carta a um Detento, extraída da coletânea de contos Sombras que Sofrem.
O que desejo saber é por qual motivo você escolheu
o menor dos jornalistas da província que não tem jornalistas, não tem poetas,
não tem prosadores, não tem... não tem... e não tem... para ler e comentar PERDÃO
antes dos demais.
Amigo velho, não sou cabra afeito a rodeios e
salamaleques. Por isso, vou logo dizendo, doa a quem doer: você é autor de uma
das melhores narrativas que li nos últimos anos.
Seu livro, Chico, é brilhante. O objetivo,
pedir perdão, como lhe disse o ex-deputado João Faustino, “é tão nobre quanto
perdoar”.
João perdoou os que o prenderam injustamente,
além dos responsáveis por coisas mais graves; você implora perdão por um
arroubo juvenil de consequências fatais que lhe rendeu alguns anos na cadeia e seis
décadas de remorso, prisão invisível pior do que aquela imposta como pagamento
dos erros perante os homens.
Não sei, para ser sincero, qual o ato mais
nobre e doloroso: aquiescer a quem se nos apresenta arrependido ou arregaçar o
peito e expor a ferida aberta, sangrando, num doloroso e comovente apelo:
“... não me neguem o sagrado direito de pedir
clemência para o meu arrependimento, que me acompanha há 60 anos”.
Porra, Chico, assim você acaba comigo.
Chorei copiosamente, a ponto de me perguntarem
se estava passando mal. E não foi só nesse trecho. A sinceridade nua e crua do
relato, a pureza da intenção, que, ao contrário do verso de Fado Tropical, do
outro Chico, o Buarque, não guarda distância do gesto, deixa qualquer vivente
comovido.
Pedir perdão é phoda, com PH. Aposto que
neste recinto em que lhe entrego esta carta, a começar de mim, cada pessoa deve
a si conceder a alguém a oportunidade de perdoá-la.
Mas espere.
Sua obra, Chico de Neco Carteiro, é tocante,
nem de longe piegas, grave ou pesada. Traz, a exemplo das quatro anteriores, a
leveza do estilo, a linguagem fácil, cativante, envolvente.
Basta pisar na primeira linha, incluindo as
apreciações de Aécio Cândido, Clauder Arcanjo e Dom Marcelo Almeida, para o
caboclo ser arrastado pelos sentidos até o ponto final. Não digo de um só
fôlego, porque, a cada capítulo, respiramos em ritmo diferente.
Reencontrei muita gente conhecida, revisitei
tantas ruas e lugares de Mossoró e Areia Branca. Meu avô morto, tão vivo, pude
ouvir-lhe a voz na conversa com o tenente Revoredo.
A narração é fidedigna, atesto. Ouvi-a do
próprio Vingt Rosado, que, ante a negativa do delegado em soltar o filho de um
seu adversário político, detido por causa de uma briga, disse à autoridade:
“Façamos o seguinte, tranque-me na cela. Durmo lá com o rapaz”.
Tem outra coisa. Não sei se digo. Digo. Não
digo.
Assim, imaginando os outros prováveis
leitores dos comentários que lhe endereço, sinto receio de contar. De qualquer
modo, lá vai, tape bem os olhos quem não quiser ler e os ouvidos quem for
sensível para escutar: Chico, criatura,
os detalhes daquelas trepadas no Alto do Louvor deixam qualquer um de pau duro,
mesmo os que já não dispõem das armas da traição.
Como ela... digo... como era o nome dela?
Margarida?
Homem, pra que você fez isso?
Qualquer dia, se não for pedir muito, quero
instruções sobre a arte de se cantar uma rapariga e obter sucesso.
Brincadeiras à parte, Chico, parabéns por
haver produzido, na catarse, uma das mais pungentes obras da memorialística
potiguar, com ricos detalhes sobre as histórias de nossas respectivas cidades.
Anota aí: dentro em breve, PERDÃO, para honra
da Sarau das Letras e dos que o admiram, será referência na literatura do Rio
Grande do Norte, pela mistura perfeita entre o humano e o literário neste que
seria um romance, não tratasse de personagens e fatos reais.
Quando alguém perguntar, responderei
orgulhoso, Chico é meu amigo, li todos os livros dele. PERDÃO, com sabor
diferente, por me chegar dedicado antes do lançamento, com as seguintes
palavras:
“Para o amigo Cid.
PERDÃO refere-se a uma tragédia que comina
com esse pedido.
Um afetuoso abraço.
C.N.N – Chico de Neco Carteiro
Moss. 25.07.14”
Você é o cara, Chico!
Poucos conseguem fazer arte das tragédias
pessoais, sem se autocomiserar, sem escorregar na lama dos lugares-comuns, das
frases piegas e hipócritas, em especial quando o passado lateja no juízo, dá
sopapos nos ouvidos e socos no estômago.
Se não o perdoarem, e torço para que o façam,
compreenda-os, mas não deixe de se perdoar, pois sua parte está cumprida, sua
pena íntima acaba aqui, honrada e respeitosamente.
Ouça o conselho de Manuel Bandeira, vire a
página e feche o livro, que, a partir de agora, não tem motivo nenhum de
pranto.
Sem mais, receba o abraço de seu admirador,
Cid Augusto
4 comentários:
Dificil comentar uma obra que ainda nao li, mas sou amiga de Chico de Neco Carteiro e a principio quando ele me escreveu falando que estava com a ideia de escrever o livro Perdao, eu fiquei assustada. Chico e um amigo que nao vejo ha muitos anos, mas que fez parte da historia de minha vida de jovem em AB. Quando ocorreu a tragegia eu tinha 14 anos e NAO MAIS VIVIA EM AREIA BRANCA. Lembro o comentario feito por minha avo. MEU DEUS , ESTE MENINO NAO E CAPAZ DE MATAR NEM UMA MOSCA, COMO PODE ISTO ACONTECER? Nunca esqueci estas palavras nestes 60 anos de vida. E tambem nunca esqueci de Chico.Parabens amigo , pela coragem de transformar o seu sentimento mais profundo , e ter a coragem de escrever e publicar . O que publicou nao e outra coisa, E O SENTIMENTO de um homem maravilhoso , que lanca nao um livro, mas um grito de PERDAO.
Sou parte integrante da família de Luiz Martins (sobrinho). Vivi momentos de tristeza na época da tragédia. Vi o sofrimento de minha mãe (Lindalva), (irmã de Luiz). Já morando em Natal,aqueles dias foram de difícil aceitação. Pensávamos no que estavam passando as duas famílias
em Areia Branca.
Admiro a atitude de Chico, em vir de público pedir perdão.
Gostaria, com sinceridade,de ver a família aceitar esse pedido. Com certeza, aonde ele estiver (Luiz Martins) estará feliz com essa atitude de sua esposa (Eleonice) e filhos.
Apesar de ter saído de Areia Branca na década de 40, gosto de acompanhar as notícias dessa terra que não esqueci e que me trazem algumas boas lembranças
Recife,19 de agosto de 2014
José Martins de Lima
limajomar@gmail.com
Sou parte integrante da família de Luiz Martins (sobrinho). Vivi momentos de tristeza na época da tragédia. Vi o sofrimento de minha mãe (Lindalva), (irmã de Luiz). Já morando em Natal,aqueles dias foram de difícil aceitação. Pensávamos no que estavam passando as duas famílias
em Areia Branca.
Admiro a atitude de Chico, em vir de público pedir perdão.
Gostaria, com sinceridade,de ver a família aceitar esse pedido. Com certeza, aonde ele estiver (Luiz Martins) estará feliz com essa atitude de sua esposa (Eleonice) e filhos.
Apesar de ter saído de Areia Branca na década de 40, gosto de acompanhar as notícias dessa terra que não esqueci e que me trazem algumas boas lembranças
Recife,19 de agosto de 2014
José Martins de Lima
limajomar@gmail.com
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