Um membro duro da sociedade baiana tentou pagar uma garota
de programa com o cartão do Bolsa Família, em Itapetinga, cidadezinha de
aproximadamente 70 mil habitantes situada a 500 e tantos quilômetros de
Salvador. Aflita e se sentindo lesada, a profissional do sexo pediu ajuda aos
funcionários do motel, aos berros de "Golpe! Golpe!".
O sujeito não fez por maldade, estava precisado, a perigo,
matando cachorro a grito. A moça, no entanto, esclareceu que sua maquineta não serve
nem para passar cartão de crédito, quanto mais de programa social do governo; e
que o bacalhau, a exemplo da sacanagem que fizeram com o camarão, foi vetado
enquanto possível ingrediente da cesta básica.
Não adiantou o caboclo mencionar o caráter educativo do ato,
as posições ideológicas do Kama Sutra e a eficácia fisioterápica dos alongamentos
noturnos. Estado de necessidade, legítima defesa, protesto contra o orgasmo
supostamente fingido pela jovem, a irresignação do povo brasileiro, nada sensibilizou
a interlocutora.
O recepcionista do motel, na dúvida quanto aos honorários da
trabalhadora e na suspeita de que o estabelecimento ficaria no prejuízo, chamou
a Polícia Militar, que, de pronto, mandou guarnição ao local. O camburão teria
entrado no estabelecimento, com sirene
ligada e luzes vermelhas piscando, só para criar aquele clima fetichista.
O herói da história ainda pediu que experimentassem seu
Cartão do Cidadão, aquele emitido pela Caixa Econômica para a galera consultar
saldos e sacar FGST, PIS, seguro-desemprego, abono salarial, essas coisas. A
dona, contudo, revelando-se antenada com as transações - bancárias! - cortou-lhe
o barato sem dó nem piedade: "Na poupança não entra!".
Sobrou para o som do carro, empenhado como garantia do
pagamento das duas despesas, instante em que o membro da classe operária, ainda
rijo, partiu em busca de socorro financeiro. Normal, tenho notícias de amigos
que, além do insucesso nas projeções, precisaram deixar relógio, celular e pneu
de estepe como caução do todinho.
Não se ria, meu amigo, pois a coisa é gravíssima, virou
matéria na Folha de S. Paulo, e com destaque. Até a gloriosa Polícia Civil
entrou no caso com unhas e dentes. O delegado quer explicações urgentes sobre o
fato de os militares não terem formalizado a ocorrência nem prendido o
meliante, autor da tentativa sabe-se lá de quê.
Espera! De repente, cai-me feito farelo de telha no cocuruto,
um baião das antigas: "Tem mala, malinha e maleta/ Tem bolsa, bolsinha e
Bolseta". Elementar, meu caro, o crime do indigitado está em recriar um
diminutivo que a sabedoria popular acata, mas o dicionário não reconhece.
Delito gramatical: Tem Bolsa, Bolsinha... e Bolseta Família.
Um comentário:
kkkkk muito bom, digno das matérias da Piauí. Inteligente e sagaz
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