Meus amigos foram às
ilhas.
Ilhas perdem o homem.
Entretanto alguns se
salvaram e
trouxeram a notícia
de que o mundo, o
grande mundo está crescendo todos os dias,
entre o fogo e o
amor.
(Drummond)
Quando
resolvi morar na ilha, larguei tudo, inclusive os livros, e me lancei ao infinito
com o coração apertado e o peito aberto. Não quis ouvir ninguém, não pensei
nada, não refleti sobre as consequências do gesto tanto heroico quanto idiota, para
evitar o assédio de pensamentos negativos, embora largar o continente seja em
si uma derrota, na linguagem dos marujos.
Tive
medo, muito medo, especialmente ao encarar ondas gigantes que me consumiam o
ânimo e a resistência física. Em determinado instante, sentia-me tão cansado
que o oceano pacífico das noites índicas apresentava-se com a fúria atlântica das
feras glaciais. Olhei para trás e quis voltar ao continente. Era tarde, muito
tarde, e todas as luzes se apagavam desbotadas.
O
caminho da ilha, tomado por qualquer origem, é percurso de águas gélidas,
profundas e sem dono, reservado a criaturas despidas da condição humana. Somente
alguém em inequívoco e irreversível estado de coisa sobrevive aos humilhantes sopapos
das vagas, às cusparadas de espuma salobra na cara, aos caldos, ao destino que tange
o indivíduo ao olho do caos.
Mesmo
os velhos lobos do mar, colecionadores de aventuras náuticas, conhecedores das rotas
desenhadas nas estrelas, perdem-se no recôncavo, sendo o lugar mais perigoso
justamente o de atracamento. A ilha se avizinha de maremotos, buracos negros,
monstros e navios fantasmas capazes de proceder ao golpe de misericórdia nas almas
dos desiludidos.
Uma
vez na ilha, é preciso cuidado para não se perder em si, não se ensimesmar
agarrado a lembranças estragadas, cutucando feridas graves com a ponta enferrujada
do punhal das decepções. “Ilhas perdem o homem”, alertou-me o anjo torto a quem
Deus confiou guardar os descrentes, e aquilo no momento em que descobriu os preparativos
do novo salto.
Voltar
ao continente é possível, mas, por enquanto, não está nos planos. Talvez depois
de longas e confortáveis eras, quando exorcizados os seiscentos mil diabos,
quando as unhas das feras multiplicadas nas entranhas do lugar já não arranharem
o juízo. Dia desses, quem sabe do nada, a ilha deixa de se habitar e volta a
ser aquele homem de carne, osso e sentidos.
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