Desta vez não veio de Nietzsche. Foi meu
filho Jerônimo Augusto, com a sabedoria dos seus três anos, quem disse a frase
“Deus morreu!” ao se deparar com uma escultura em bronze de Jesus crucificado, horizontalmente
fixada num dos túmulos do cemitério Novo Tempo.
Não menos perplexo, olhou-me de testa
franzida, com aquele semblante de criança quando sente dor de sono, e tascou a
pergunta incriminadora:
- Quem matou Deus?
- Sou inocente - defendi-me.
Em seguida, entrando na capela piramidal, não
deixou de perceber a sujeira dentro e fora do lugar, especialmente no lago seco
que rodeia o polígono:
- É lixo! Muito lixo! Eca!
A franqueza lembrou-me “O Rei Nu” ou a “Roupa
Nova do Rei”, conto de Hans Christian Andersen em que dois falsários enganam um
vaidoso soberano, vendendo a ele tecido invisível, que, segundo afirmavam,
somente os inteligentes podiam contemplar.
O próprio monarca e os babões da coroa
fiscalizavam o trabalho dos tecelões embusteiros, olhavam as tesouras ao vento
e nada viam, evidentemente, mas, temendo serem rotulados de tolos, elogiavam o
desenho, as cores, a maciez.
Depois, aconselhado por cortesãos, sua
majestade resolveu inaugurar os trajes mágicos durante um desfile cívico,
estilo o 30 de Setembro em Mossoró.
As pessoas ao longo do trajeto, com idêntico
receio de serem chamadas de imbecis, elogiavam:
- Que linda é a
nova roupa do rei!
- Que belo manto!
- Que perfeição de tecido!
- Nenhuma roupa do rei obtivera
antes tamanho sucesso!
Um garoto, entretanto, com o moral que só a inocência
confere ao ser humano, gritou o óbvio:
- Coitado! Ele está completamente
nu! O rei está nu!
Nobres e plebeus caíram na real -
perdão pelo trocadilho chinfrim - e o vaidoso governante, apesar do vexame, concluiu
o percurso para não dar o braço a torcer, enquanto dois servos sustentavam no
ar a calda do manto invisível. Em compensação, dirigiu-se ao palácio certo de
nunca mais sair de lá, o que, de acordo com Andersen, voltou a acontecer
em poucos e breves momentos.
Precisamos de um desses meninos para abrir-nos
os olhos, a fim de que todos percebamos, na agonia azul dos que se acham deuses,
a nudez de espírito de quem desgoverna coberto pelos mesmos fios de ouro de
tolo que remuneram doidos para ofender quem não sente medo de enxergar.
E viva Jerônimo Augusto.
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