domingo, 8 de julho de 2012

Deus Morreu!


Desta vez não veio de Nietzsche. Foi meu filho Jerônimo Augusto, com a sabedoria dos seus três anos, quem disse a frase “Deus morreu!” ao se deparar com uma escultura em bronze de Jesus crucificado, horizontalmente fixada num dos túmulos do cemitério Novo Tempo.

Não menos perplexo, olhou-me de testa franzida, com aquele semblante de criança quando sente dor de sono, e tascou a pergunta incriminadora:

- Quem matou Deus?

- Sou inocente - defendi-me.

Em seguida, entrando na capela piramidal, não deixou de perceber a sujeira dentro e fora do lugar, especialmente no lago seco que rodeia o polígono:

- É lixo! Muito lixo! Eca!

A franqueza lembrou-me “O Rei Nu” ou a “Roupa Nova do Rei”, conto de Hans Christian Andersen em que dois falsários enganam um vaidoso soberano, vendendo a ele tecido invisível, que, segundo afirmavam, somente os inteligentes podiam contemplar.

O próprio monarca e os babões da coroa fiscalizavam o trabalho dos tecelões embusteiros, olhavam as tesouras ao vento e nada viam, evidentemente, mas, temendo serem rotulados de tolos, elogiavam o desenho, as cores, a maciez.

Depois, aconselhado por cortesãos, sua majestade resolveu inaugurar os trajes mágicos durante um desfile cívico, estilo o 30 de Setembro em Mossoró.

As pessoas ao longo do trajeto, com idêntico receio de serem chamadas de imbecis, elogiavam:

- Que linda é a nova roupa do rei!

- Que belo manto!

- Que perfeição de tecido!

- Nenhuma roupa do rei obtivera antes tamanho sucesso!

Um garoto, entretanto, com o moral que só a inocência confere ao ser humano, gritou o óbvio:

- Coitado! Ele está completamente nu! O rei está nu!

Nobres e plebeus caíram na real - perdão pelo trocadilho chinfrim - e o vaidoso governante, apesar do vexame, concluiu o percurso para não dar o braço a torcer, enquanto dois servos sustentavam no ar a calda do manto invisível. Em compensação, dirigiu-se ao palácio certo de nunca mais sair de lá, o que, de acordo com Andersen, voltou a acontecer em poucos e breves momentos.

Precisamos de um desses meninos para abrir-nos os olhos, a fim de que todos percebamos, na agonia azul dos que se acham deuses, a nudez de espírito de quem desgoverna coberto pelos mesmos fios de ouro de tolo que remuneram doidos para ofender quem não sente medo de enxergar.

E viva Jerônimo Augusto.

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