Neste caso, porém, não se trata de ufanismo. O meu pai, sujeito comedido nos gestos e elogios, além de profundo conhecedor da arte musical, é minha testemunha. Foi doutor Laíre – e não eu – quem falou, ao saber da morte deste filho de Maria do Cartório, lá de Tibau, que Ricardo emocionava ao cantar Tigresa.
Há meses eu não ouvia esse que é um dos mais belos poemas da MPB. Reencontrei-o na madrugada, na voz de Lene Macêdo e no violão de Jô Fernandes, harmoniosos na vida e na arte, juntos faz 20 anos, contando oito de noivado. Bons amigos, mas têm um defeito que preciso reconhecer: nunca se apresentaram em Mossoró.
No mesmo dia, assim que acordei, corri para comprar o álbum Noites do Norte, de Caetano, para ouvir Tigresa. A faixa 3 do CD número 2 deve estar perto de ser furada, tantas têm sido as repetições, porque sou compulsivo com chocolate, com os livros, as mulheres e as músicas de minha vida, sem medo de me envenenar pelo excesso.
É verdade que o exagero às vezes nos leva a enjoar o objeto de nossa obsessão. "Tudo em excesso é veneno", costuma dizer dona Sandra, minha mãe. Porém, as coisas são passageiras e sempre preciso gritar igual ao poeta que martela minha cabeça com aquele verso que se traduz numa filosofia de vida: "Eu morro à míngua de excesso!"
Agora é tempo de compreender que o mal do exagero pode ser bom e o bem do comedimento, cruel; agora é tempo de ouvir a tigresa dizer que "com alguns homens foi feliz, com outros foi mulher, que tem muito ódio no coração, que tem dado muito amor e espalhado muito prazer e muita dor".
Se eu soubesse tocar o violão que enfeita a parede do escritório, talvez encerrasse a crônica dizendo ter corrido a ele, "num lamento, e a manhã nasceu azul". Mas, embora imagine "como é bom poder tocar um instrumento", prefiro escrever bobagens até que a noite nasça negra, fazendo com que todos os gatos sejam pardos.
9.7.2002
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