... Mãe não tem
limite,
é tempo sem hora,
luz que não apaga
quando sopra o vento
e chuva desaba ...
(Drummond)
Divido-me hoje entre o jornalismo e o
direito. De manhã, expediente no escritório de minha mulher, com quem aprendi muito
do pouco que sei na seara jurídica e continuo a aprender. À tarde e à noite,
bem como aos sábados, dedico-me ao velho O Mossoroense, que, apesar das
perseguições e boicotes, completará 140 anos de fundação em outubro.
Comecei no jornal aos 14 anos e, por volta
dos 17, já era repórter. Desde aquele tempo, causa-me intranquilidade ver policiais,
mesmo que minoria inexpressiva, desrespeitando parentes de pessoas envolvidas no
mundo do crime, especialmente mães, esposas e irmãs.
É como
se a família do delinquente, por honesta que seja, devesse pagar pelos crimes
dele. E, se a Constituição Federal impede que a pena transcenda o criminoso,
que seus entes queridos, além da decepção, da tristeza, do medo, da vergonha,
sejam humilhados.
Mês passado, conversei com uma senhora cujo
filho acompanhei em certo episódio. O nome não vem ao caso, mas asseguro
tratar-se de cidadã honesta, arrimo de família que trabalha de segunda a
domingo para sustentar-se e prover a sobrevivência dos seus.
Chegou trêmula, rosto molhado de suor e
lágrimas, semblante carregado. Perguntei-lhe o que a deixara naquele estado e
ela, voz embargada, respondeu haver comparecido a uma delegacia onde desejavam
submeter o filho dela a sessão de reconhecimento.
Preocupada, foi até lá com o objetivo de
estabelecer data conveniente a fim de que o jovem se apresentasse, pois,
morando em lugar distante, precisaria de prazo razoável para voltar ao Rio
Grande do Norte.
Saiu de lá perplexa, sentindo-se humilhada
pelo chefe de polícia, que, a propósito, teria me enviado um recado, pensando
ser eu o defensor do indivíuo alvo da investigação: denunciar-me-ia à Justiça
(perdão pela mesóclise) por me recusar a levar o suspeito à sua presença.
Ignorei o arroubo, atribuindo-o ao cansaço. A
atividade policial, pelos riscos e exaustão das tarefas, é das mais
estressantes e, assim, nem sempre os servidores públicos do ramo estão de bom
humor. Além disso, a mãe, nervosa, poderia ter entendido mal as palavras do
interlocutor.
Que nada! Dias depois, a autoridade me telefonou
acerca do mesmo assunto. Após explicar-lhe que não oriento o garoto no
inquérito presidido por ele – podendo vir a fazê-lo, se contratado – e que não tenho
o poder de arrastar ninguém a canto algum, caí na besteira de indagar sobre o
episódio da mãe o acusado.
Esperava, sinceramente, que o doutor dissesse
ter havido um equívoco, erro de interpretação por parte daquela senhora, mas
recebi a seguinte, exata e estarrecedora resposta: “Ela é mãe de bandido”.
POST-SCRIPTUM
"Mãe de bandido" é quase sempre
sofredora, atormentada pela sensação de fracasso, de vergonha por haver trazido
ao mundo o "criminoso", "o mostro"; pelo medo de ver sua criança presa, espancada,
morta.
Em resumo e em regra, é outra vítima daquele
a quem, mesmo diante dos piores dissabores, dificilmente abandonará.
E ninguém no mundo tem o direito de condená-la,
porque mãe, como diz o poeta Carlos Drummond de Andrade, não tem limite, não
tem hora e não espera tempo bom para socorrer o filho, por errado que ele seja
ou esteja.
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