sábado, 9 de junho de 2012

“Mãe de bandido”



... Mãe não tem limite,
é tempo sem hora,
luz que não apaga
quando sopra o vento
e chuva desaba ...

(Drummond)

Divido-me hoje entre o jornalismo e o direito. De manhã, expediente no escritório de minha mulher, com quem aprendi muito do pouco que sei na seara jurídica e continuo a aprender. À tarde e à noite, bem como aos sábados, dedico-me ao velho O Mossoroense, que, apesar das perseguições e boicotes, completará 140 anos de fundação em outubro.

Comecei no jornal aos 14 anos e, por volta dos 17, já era repórter. Desde aquele tempo, causa-me intranquilidade ver policiais, mesmo que minoria inexpressiva, desrespeitando parentes de pessoas envolvidas no mundo do crime, especialmente mães, esposas e irmãs.

É como se a família do delinquente, por honesta que seja, devesse pagar pelos crimes dele. E, se a Constituição Federal impede que a pena transcenda o criminoso, que seus entes queridos, além da decepção, da tristeza, do medo, da vergonha, sejam humilhados.

Mês passado, conversei com uma senhora cujo filho acompanhei em certo episódio. O nome não vem ao caso, mas asseguro tratar-se de cidadã honesta, arrimo de família que trabalha de segunda a domingo para sustentar-se e prover a sobrevivência dos seus.

Chegou trêmula, rosto molhado de suor e lágrimas, semblante carregado. Perguntei-lhe o que a deixara naquele estado e ela, voz embargada, respondeu haver comparecido a uma delegacia onde desejavam submeter o filho dela a sessão de reconhecimento.

Preocupada, foi até lá com o objetivo de estabelecer data conveniente a fim de que o jovem se apresentasse, pois, morando em lugar distante, precisaria de prazo razoável para voltar ao Rio Grande do Norte.

Saiu de lá perplexa, sentindo-se humilhada pelo chefe de polícia, que, a propósito, teria me enviado um recado, pensando ser eu o defensor do indivíuo alvo da investigação: denunciar-me-ia à Justiça (perdão pela mesóclise) por me recusar a levar o suspeito à sua presença.

Ignorei o arroubo, atribuindo-o ao cansaço. A atividade policial, pelos riscos e exaustão das tarefas, é das mais estressantes e, assim, nem sempre os servidores públicos do ramo estão de bom humor. Além disso, a mãe, nervosa, poderia ter entendido mal as palavras do interlocutor.

Que nada! Dias depois, a autoridade me telefonou acerca do mesmo assunto. Após explicar-lhe que não oriento o garoto no inquérito presidido por ele – podendo vir a fazê-lo, se contratado – e que não tenho o poder de arrastar ninguém a canto algum, caí na besteira de indagar sobre o episódio da mãe o acusado.

Esperava, sinceramente, que o doutor dissesse ter havido um equívoco, erro de interpretação por parte daquela senhora, mas recebi a seguinte, exata e estarrecedora resposta: “Ela é mãe de bandido”.

POST-SCRIPTUM

"Mãe de bandido" é quase sempre sofredora, atormentada pela sensação de fracasso, de vergonha por haver trazido ao mundo o "criminoso", "o mostro";  pelo medo de ver sua criança presa, espancada, morta.

Em resumo e em regra, é outra vítima daquele a quem, mesmo diante dos piores dissabores, dificilmente abandonará.

E ninguém no mundo tem o direito de condená-la, porque mãe, como diz o poeta Carlos Drummond de Andrade, não tem limite, não tem hora e não espera tempo bom para socorrer o filho, por errado que ele seja ou esteja.



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