Palavras me devoram como se saíssem dos olhos da esfinge. Decifrar-lhes as
origens, os sentidos, os usos, é questão de vida ou morte, desde quando eu era
criança perdida nos “por quês”.
Por isso, e também para aplacar
o analfabetismo, vivo entre dicionários. Da língua portuguesa são diversos, a
começar de uma edição antiga do Caldas Aulete, presente de meu avô, chegando
aos populares Aurélio e Houaiss.
O Dicionário Etimológico, de
Antônio Geraldo da Cunha; e o Dicionário Analógico, de Francisco Ferreira dos
Santos Azevedo, com prefácio de Chico Buarque, não poderiam faltar.
Guardo compilações lexicais em
latim, grego, inglês, francês, espanhol, tupi-guarani, que servem de antídoto a
curiosidades pontuais, mesmo diante das facilidades do “professor” Google.
O xodó, no entanto, são os
específicos: Calepino Potiguar, de Raimundo Nonato da Silva; Dicionário do
Folclore Brasileiro, de Cascudo; Dicionário do Palavrão e Termos Afins, a
Língua na Boca do Povo e Nomes Próprios Pouco Comuns, os três de Mário Souto
Maior.
Encontrei em Natal, na última
sexta-feira, adquirindo-a imediatamente, a obra Língua Morta - Palavras que Sumiram
do Mapa. O autor é o jornalista Alberto Villas, de Belo Horizonte, terra
maravilhosa onde aprendi que a mineira caminha à mineira sobre o coração dos
homens, e até o mais prevenido, o mais cauteloso, se abestalha.
O livro é uma belezura na
escrita, nas feições gráficas e no preço, trinta e poucos reais. Grande
pesquisa, com orelhas puxadas por Max Gehringer.
O problema, meu e não dele, é
que, lendo essa espécie de obituário linguístico, descobri que estou morto e
não sabia, pois ainda uso, por exemplo, abafar
no sentido de fazer sucesso, abarrotado
para lugares cheios, abelhudo como sinônimo de curioso, abotoadura,
acabrunhado, acamado.
Gosto de adular a mulher com quem sou amasiado,
detesto gente afetada, não tomo
dinheiro emprestado a agiota,
considero-me um tanto ajuizado,
conheci o velho alcaide Dix-huit
Rosado, meus filhos costumam fazer algazarra
antes de dormir e, ultimamente, tenho andado um tanto alinhado, a não ser nos alpendres
da Mororó.
Sim, minha amásia me trata por amoreco quando estou amuado, porque não sabe contar anedota.
Os colunistas sociais daqui
ainda escrevem sobre os babados,
alguns amigos consomem bagulho,
enquanto outros recitam poemas fesceninos, com palavras de baixo calão.
Já frequentei o baixo meretrício e o barangas.com, no tempo em que o barão pagava muita coisa, inclusive o carro de praça com destino à estrada de
Baraúna.
Ah, na casa de minha avó, que
sempre foi gente boa e nunca deu cascudo
nos netos, tem janela basculante.
Dar bandeira, dar no couro...
emburrado, encher linguiça... fajuto, ferro-velho... goiaba, grudada...
indecência, inhaca... jaburu, jararaca... labuta, lascado...
Macarronada, maciota... nas
coxas, negar fogo... ó do borogodó, obséquio... palerma, patota (aí, Carlos
Santos!)...
Quinquilharia, quitute... roça,
riscado... sabugo, sacou?... tamborete, tinindo... urinol, urticária...
vaca-preta, varapau... xarope, xumbrega... zarolho, zombar...
E por aí vai, mas atenção: se
essas palavras e expressões fazem sentido para você, tanto quanto para mim, sinta-se bem-vindo ao mundo dos mortos.
3 comentários:
Prezado Cid,
Parabenizo pelo excelente blog. Fiquei encantado com sua verve. De escrita leve e prazerosa. Avante!
Cordialmente,
Zé Lima
http://entreopoemaeapoesia.blogspot.com.br/
Valeu, Zé Lima, volte sempre.
olha, me sinto morta e enterrada!Parabéns pelo blog leve e muito bem escrito
Kalidja Sibéria
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