sábado, 10 de março de 2012

Estado de coisa



Todos dormem. Na penumbra rajada pelo luar que atravessa as frestas da janela do quarto, ouvidos de ouvir canção de nada servem aos barulhos da madrugada e olhos vermelhos que arremedam vaga-lumes contemplam, em via reversa, a imensidão do nada. Por dentro, o ser humano em estado de coisa – coisificado – é a primitiva expressão do caos.

Abafado para chuva de verão. O suor na testa denuncia tanto a quentura quanto a precariedade do ventilador de teto cujas hélices gemem e gemem e gemem. Gole da água no copo de alumínio sobre o criado-mudo não basta, pois a garganta seca, inflamada, reclama dilúvio que a ajude a deglutir a insônia atravessada faz eras no desfiladeiro do pescoço.

A memória em condição vegetativa, mastiga, macrobioticamente, palavras que achou abandonadas no twitter: “‘Você me ama?’ Não é pergunta que se faça/ ‘Amo!’ não é resposta que se dê”... “‘Você me ama?’ Não é pergunta que se faça/ ‘Amo!’ não é resposta que se dê”.... “‘Você me ama?’ Não é pergunta que se faça/ ‘Amo!’ não é resposta que se dê”...

As muriçocas mais parecem urubus, essas sebosas, quase matam o sujeito de anemia. Elas e o calor, o calor e o suor, o suor e o ventilador, o ventilador e as hélices, as hélices e os gemidos, os gemidos e a insônia, o acocho no juízo. Podia estar agora em Lyon, entre os cinzeiros e as garrafas, com os cabelos grisalhos derretidos no colo de uma qualquer.

Quando descoisificar, voltar a ser gente nos próprios ossos e carnes, a janela estará escancarada, permitindo o vislumbre das aves noturnas em pleno exercício de voo. A cidade, enternecida, arreganhará gentilmente os seus bares, implorando para ser acariciada, lambida, penetrada até que o Sol abençoe a Terra com seu gozo de luz. Todos acordaram.

2 comentários:

Laris. disse...

mas como é bom persistir no erro.

Geraldo disse...

Olá amigo Cid,
É bom estar novamente lhe visitando. Vejo as grandes novidades escritas e comentadas por você´.
Estive recentemente as voltas com a criação de um novo blog,(o terceiro) O que seré um prazer lhe receber.
Geraldo