Havia poucas pessoas dispostas a colaborar quando, na década
de 1990, O Mossoroense lançou o suplemento cultural denominado Caderno 2, hoje
Universo, por sugestão do jornalista Emerson Linhares.
Para superar a deficiência de colaboradores, e na intenção
de difundir e estimular as artes, os mais próximos dispunham-se a publicar
crônicas, contos e poemas em nome próprio e se utilizando de pseudônimos,
garantindo, assim, o mínimo necessário de trabalhos.
Não revelo os disfarces literários dos amigos que ajudaram a
consolidar aquele que vem a ser o único espaço essencialmente cultural da
imprensa norte-rio-grandense, mas não me incomodo de dizer o meu: Augusto
Floriano.
Augusto não por meu segundo nome, e sim em homenagem ao meu
bisavô materno, jornalista Augusto da Escóssia Nogueira. Floriano como remissão
aos sobrenomes de meus "escanchavós" Floriano da Rocha Nogueira,
poeta, e Ana Floriano, comandante do Motim das Mulheres.
Tentei criar uma personagem com identidade própria, que se
qualificava "autodidata" e escrevia versos livres com roupagem
contemporânea, mesclando tendências sem preocupações formalísticas.
Tipo como no dia em que me deparei com "Lance de
Dardos", de Iracema Macedo, e, apaixonado pela obra, uma das mais importantes
da poesia potiguar, incorporei Augusto Floriano para homenageá-la num passeio
pelos versos da musa poeta.
CARTA A IRACEMA MACEDO
Augusto Floriano
Autodidata
Não tenho a graça escrita no livro das estrelas.
Na verdade, não sou anjo, talvez demônio ou nada.
Quem sabe, sou apenas este nome que me deram
no fim de outra era, quando a moça feiticeira
seqüestrou minha alma para o fundo do Poço Feio.
Desde aquele tempo devorado pelos anos,
vivi aqui dentro, na sombra do mundo,
sem as bênçãos do brilho de ninguém,
até que choveram tuas palavras em meu inferno
e, nos olhos dos teus versos,
sonhei contigo duzentas noites,
descobrindo novos caminhos
até te adivinhar inteira dentro do vestido.
Profanei os teus altares com os meus dedos insanos,
penetrei com minha língua pornográfica
o sagrado silêncio dos teus seios,
menti às tuas carnes somente para te fazer vadia.
Contudo, não eras minha, não eras para mim,
era a um anjo que escrevias.
Mesmo assim, perfumei-me com versos teus,
fui ao primeiro bar e bebi à tua inspiração.
Depois da terceira dose de luz,
a moça feiticeira arrastou-me novamente
para o fundo do fundo do Poço Feio,
onde espero ansioso a próxima tempestade.
Por que revelar isso agora? Ocorre que acabo de encontrar os
textos de Augusto Floriano perdidos num recanto da memória do computador.
Ocorre que deu vontade. E pronto!
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