sábado, 22 de outubro de 2011

“Mister Gaddafi”

Desde o início da crise na Líbia, que resultou na morte de Muammar Gaddafi, tenho me lembrado de dois colegas de intercâmbio. Muhammad e Ali, aquele médico e este engenheiro, estudaram comigo durante três meses na escola de idiomas Eurocentres, na cidade de Brighton, Inglaterra.

Certa feita, surgiu na sala de aula do professor Michael, especialista em pes-soas com muitíssima dificuldade em aprender Inglês, o debate sobre política. Cada um dos estudantes, e havia gente de várias partes do mundo, deveria tentar descrever o sistema governamental do seu país.

Os relatos dos alunos de origem islâmica chamavam atenção pelas diferenças em relação a nós, nossa visão cultural e sistemática de poder. Os relatos oci-dentais, digamos assim, igualmente causavam espécie aos amigos árabes. Tudo isso, no entanto, sem afastar o clima respeitoso.

Muhammad e Ali, cujos nomes pronunciados nessa sequência remetem ao pugilista americano Cassius Marcellus Clay Júnior, descreveram a Líbia de 2001, um período de otimismo, com o fim das sanções da Onu e a retomada das negociações com a Europa, no setor de petróleo e gás.

Confrontados com o conceito de ditadura, defenderam “Mister Gaddafi” – e te-nho a impressão que na época escrevíamos “Kadafi”. Demonstravam, em suas palavras, reverência por aquele que, em nossa maneira de enxergar as coisas, não passava de um déspota corrupto e sanguinário.

Nada estranho, pois, na década passada, os grandes líderes mundiais faziam questão de aparecer abraçados com o tirano. Tony Blair o visitou duas vezes, sem se lembrar dos atentados terroristas que Gaddafi patrocinou na Escócia, em 1988, que causaram a morte de 270 inocentes.

O tirano foi abraçado por Condoleezza Rice e Barack Obama. A União Africana o promoveu a seu líder. Até Nelson Mandela, meu ídolo, responsável pelo fim do Apartheid na África do Sul, exemplo de tolerância e espírito humanitário, deu-lhe apoio público em determinadas ocasiões.

Na madrugada de sexta, fechando o dia anterior de trabalho, liguei a TV para relaxar pouco antes de dormir e me deparei com a cena grotesca do lincha-mento de Gaddafi. Primeiro, o homem vivo, limpando sangue do rosto com uma das mãos. Depois, um cadáver como troféu.

O governo dos “rebeldes” divulgou comunicado mentiroso informando que a morte se dera após troca de tiros, já quando o ferido era levado ao hospital. As imagens mostram outra realidade, a da execução bárbara, sumária, incompatí-vel com os discursos libertários da “Nova Líbia”.

Chefes de nações “democráticas”, antes aliados do regime deposto, festejaram a chacina. O único de opinião sensata, dentre os que ouvi, foi Dilma Rousseff, que, embora falando em momento favorável à democracia líbia, repudiou os festejos pelo assassinato do caudilho africano.

E Muhammad e Ali nisso tudo? Sobreviveram à guerra civil? Rebelaram-se ou permaneceram fiéis ao líder? Pobre povo da Líbia. Pelas demonstrações de vi-olência e desonestidade de propósitos dos substitutos, terá, aquela brava gen-te, um governo novo, mas de velhos costumes.

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PS: mal deixei cair o ponto final, eis que o celular apita anunciando o recebi-mento da seguinte mensagem de meu amigo Rogério Dias: “A Comissão de Direitos Humanos-ONU está investigando e irá punir com rigor os que mataram torturando Muamar Khadafi que já assassinou nada menos que 1 milhão de inocentes líbios – RIDÍCULO!!!”.

Salamalecum!

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