sábado, 25 de setembro de 2010
O cronista
Quem carrega nos ombros a obrigação de escrever uma crônica diária precisa estar atento às ocorrências cotidianas para não perder, no detalhe que passa despercebido aos olhos dos outros, a essência daquele texto capaz de arrebatar a atenção do leitor.
Um homem dormindo no canteiro entre flores bêbedas, a cachaça das segundas-feiras derramada sobre a mesa, os nomes das garçonetes de olhos castanhos, o isqueiro de fogo-morto, o brilho da plateia de vaga-lumes diante das estripulias do vento.
O caos no interior das bolsas femininas daria uma ótima história, mas não tão boa quanto o que poderia ser escrito a respeito da agendinha da mulher de 30, onde o poema de Ferreira Gullar rasga a garganta do tempo e mata, na arte, a rigidez dos compromissos.
Há pouco, tropecei em três causos: o grupo de meninos jogando bola de meia no Centro, num desafio ao império dos automóveis, a velha em lúcido bate-papo com a solidão e o sanfoneiro do quadro de Assis Marinho dando ritmo ao silêncio da galeria.
Nada, nada pode escapar e tudo precisa ser analisado com muita pressa, pressa de formiga à beira do inverno, pressa de quem corre para encontrar a pessoa amada, pois a crônica da edição seguinte pede urgência e o jornal é uma pilha de nervos na hora do fechamento.
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