segunda-feira, 7 de dezembro de 2020

O HOMEM QUE SABIA JAVANÊS

Lembra-se de Castelo? Aquele nomeado cônsul do Brasil em Havana depois de engabelar todo mundo fingindo falar javanês? Enquanto você pensa, corro para esclarecer que javanês nada tem a ver com a capital da República de Cuba. É o idioma falado na ilha de Java, na Indonésia; e na Federação da Malásia, no sudeste asiático. Se a informação for equivocada, cobre as explicações ao Houaiss.

Se nunca ouviu falar, sugiro ler O Homem que Sabia Javanês, de Lima Barreto. É curto, leva, como diria Gilberto Gil, o “Tempo que levava Rosa/ Pra aprumar o balaio/ Quando sentia que o balaio ia escorregar”. Quem preferir, pode ouvir em algum audiolivro e até assistir no Youtube. Há uma montagem excelente da TV Escola, com Carlos Alberto Riccelli, Sérgio Mamberti, Sérgio Viotti e Zózimo Bulbul.

Leia, ouça ou assista, tanto faz. Perceba como é fácil alguém que sabe zero sobre determinado assunto nos enganar com fanfarronices, arrotos de erudição, becas e anéis de doutor. Basta falar ou escrever umas palavrinhas inusuais – para ninguém entender – que o sujeito se torna um grandessíssimo... intelectual, louvado e bajulado. Tenho visto muitos assim nesta lida de contador de história.

Há cerca de 15 anos, durante evento com discursos sem fim, recebi do poeta e jornalista Caio César Muniz, que estava sentado ao lado, um poema dizendo: “Era uma reunião/ de intelectuais./ Grandes intelectuais!/ E eu só abri a boca duas vezes:/ uma para bocejar,/ outra para me despedir...”. Cada orador querendo demonstrar maior domínio do nada e já sonhando se tornar “bacteriologista eminente”.

Eles não me incomodam. São divertidos, especialmente quando comentam livros que não leram e até que não existem. Sim, é verdade, posso garantir: eu mesmo inventei o nome da obra e apontei um colega de trabalho como autor. Os presentes confirmaram a excelência dos textos do escritor fantasma, só para não passar por ignorantes, sem saber que o homem jamais rabiscou uma linha sequer.

Em regra, tais criaturas são inofensivas. Correm apenas o risco de “explodir de vaidade”, como diria o mestre Deífilo Gurgel, esse, sim, grande na prosa, no verso e na humildade. Droga! Rimei “vaidade” e “humildade”, e me desculpo pelo mau estilo, mas aproveito para esclarecer que nem sempre a rima combina e que, embora disfarçado de leão, segundo a fábula de Esopo, o jumento um dia vai relinchar.