sábado, 25 de junho de 2011

Voyeur



Linda! Muito mais que nos umbrais da puberdade. Sorridente também, talvez feliz. Está feliz. Vi-a por acaso, depois de séculos, mas ela sequer percebeu-me o espanto, os suores, os rubores, os passos distraídos do homem que, meio zonzo, deixou-se dominar por um surto de infância.

Passei despercebido tanto de propósito, tanto por fraqueza de espírito. Permaneci invisível, traduzido em megabytes, olhando... olhando... olhando a exemplo de um voyeur aprisionado a fantasias antiquíssimas, inalcançáveis a braços humanos reincidentes em afrouxar as próprias fantasias.

Não aprendi o segredo dos nós, embora tenha sido marinheiro noutra encarnação. Manias de vidas passadas trago nas veias, esse coração tatuado pelas ondas de todos os portos. E quando me considerava aposentado das marés, eis que me lançam à deriva, descrente até das certezas.

Lembrará de mim quando em vez, nem que seja com desdém? Saberá ainda os poemas que o vento arrebatava-lhe dos lábios? Guardará nalgum compartimento secreto o caderninho azul, seu confidente? Ou tudo aquilo, todo o passado, a distância e o tempo sepultaram a sete palmos?

Ocorreu-me a antologia de Vinícius. Que fim terá levado? De todo azar, já se fez “do amigo próximo o distante”, apesar das velhas promessas de ser atento ao meu amor, “com tal zelo, e sempre, e tanto”. Foram demais os perigos, as paixões, tantas criaturas lindas espalhando sofrimento.

E essa minha amiga distante e distraída, sem fugir da inspiração do poetinha, agora nas formas de “Uma mulher que é como a própria lua:/ Tão linda que só espalha sofrimento,/ Tão cheia de pudor que vive nua”; e eu, cansado, atraiçoando “o humano coração com mais verdade”. Mentira!

domingo, 19 de junho de 2011

DESINFORMAR O CIDADÃO É ARMAR O BANDIDO



O secretário da Segurança Pública e da Defesa Social do Rio Grande do Norte, senhor Aldair da Rocha, proibiu o Instituto Técnico-Científico de Polícia (Itep) e o Centro Integrado de Operações de Segurança Pública (Ciosp) de prestarem informações sobre homicídios cometidos em Mossoró.

A justificativa dada por ele na última sexta-feira, em audiência realizada na Câmara de Vereadores, a fim de debater os índices da violência na cidade, foi a de que a pasta sob seu comando pretende criar uma central de imprensa, ainda sem data marcada para entrar em funcionamento.

A tarefa estaria, por enquanto, sob monopólio do comandante da Polícia Militar, a quem os repórteres de quatro jornais diários, da TV aberta, da TV fechada, dos diversos sites noticiosos, das revistas e das nove emissoras de rádio existentes por aqui poderão se dirigir a qualquer hora.

Com essa desculpa esfarrapada, impõe-se a cesura aos cidadãos potiguares em pleno regime democrático de direito, pelas mãos daqueles que deveriam nos proteger não apenas da violência urbana, mas também no tocante a quem investe contra outros aspectos da dignidade humana.

Não creio em boas intenções, até porque “uniformização da verdade” rima perfeitamente com “manipulação da realidade”. A ideia, de certo, é esconder números cruéis, frutos da ausência de gestão estratégica da segurança que nos confere o triste epíteto de Rio Grande da Morte.

A decisão de Aldair da Rocha ofende dois princípios da administração, o da publicidade e o da legalidade. Tentar impedir acesso a dados de ordem pública, talvez no intuito de encobrir o desrespeito a outro preceito, o da eficiência, fere a nossa inteligência e a Constituição.

É ela, a Carta Magna, quem nos assegura o direito à informação, veda a censura, garante-nos a liberdade de expressão sem necessidade de “licença” e proíbe a edição de normas embaraçosas “à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação”.

A governadora Rosalba Ciarlini, que à frente da prefeitura de Mossoró deu exemplo de democracia ao não perseguir economicamente setores da mídia críticos a outros aspectos de sua gestão, como ocorre hoje no Palácio da Insolência, deve reverter esse completo absurdo.

Se não a Rosa, mostre o Ministério Público os espinhos, utilizando remédios legais capazes de cessar a arbitrariedade, provocado pela indignação dos que não aceitam ser resumidos à condição dos “Macacos Sábios” do folclore japonês, que não veem, não ouvem e não falam.

Embora a imposição de censura seja algo muito complicado na era das redes sociais, quando qualquer indivíduo pode ser repórter da própria realidade, algo precisa ser feito com urgência. Longe do que possa imaginar o secretário, agir para desinformar o cidadão é armar o bandido.

terça-feira, 14 de junho de 2011

Tatuagem



O colibri que habita aquelas costas,
Sugando a carne fresca com o bico,
É a quem nestes versos eu suplico
O caminho secreto das respostas.

Serás por entre gritos, entre espasmos,
Passarinho liberto e prazenteiro
Ou apenas um reles prisioneiro
Do corpo, da fogueira, dos orgasmos?

Quais perfumes seduzem teus sentidos,
Os aromas sutis da castidade
Ou a força motriz dos corrompidos?

Por fim, que se declare e me revele,
Por quais razões trocaste a liberdade
Para amar tatuado à flor da pele.