domingo, 27 de fevereiro de 2022

O poeta e a amiga insensível

Foto: Caio Muniz


Meu compadre Caio César Muniz, poeta que Iracema deu de mão beijada a Mossoró, desabafa no Facebook contra aparente gesto de insensibilidade literária. Ao abrir o exemplar de certo livro da autoria dele, descoberto via Google e adquirido com vistas à recomposição do próprio acervo, percebeu que o danadinho estava autografado para uma amiga. A desalmada, embora o tenha recebido de graça, pelos Correios, trocou o presente por alguns tostões.

É, Muniz, isso acontece. Tenho aqui para contar a história, a obra Assu – Gente Natureza e História, do saudoso amigo Celso da Silveira, que adquiri aos 31 de julho de 1999, em Natal. Só não lembro se no Sebo Balalaica, de Ramos; no Sebo vermelho, de Abimael Silva; ou no Sebo Lisboa, de Lisboa. Aos sábados, quando residia na capital, gostava de garimpar rarezas nas livrarias de usados antes de me abancar lá em Nazaré, no Beco da Lama.

A dedicatória enobrece o livro porque o individualiza. Aquele “Assu” destinava-se a Beltrano, “companheiro de outras jornadas”, com “o abraço do admirador” Celso. Pensei em não mostrar ao autor, com receio de parecer enredo, mas, que droga, eu também queria um oferecimento para chamar de meu. Ficou assim: “Ao grande amigo e poeta maior, Cid Augusto, com um forte abraço, agradecendo o resgate, finalmente em boas mãos”. Generoso e meio.



Outra vez, agora com certeza no Sebo Lisboa, quando ainda funcionava na Praça Padre João Maria, encontrei uma plaqueta dedicada ao mestre Raimundo Soares de Brito, na prateleira de escritores do Rio Grande do Norte. Achado surreal, pois Raibrito – quem o conheceu sabe – não se desfazia dessas coisas. Por isso, adquiri o livreto desgarrado e, dias depois, ao pisar em solo mossoroense, cuidei de reconduzi-lo são e salvo à rua Henry Koster, 23. 

Não recrimino o desapego aos livros, afinal eles foram feitos para correr de mão em mão e, quanto mais correm, mais cumprem o objetivo de semear palavras, mais fazem “o povo pensar”, como o “germe – que faz a palma” de Castro Alves. Conheço pessoas assim, que, logo após a leitura, doam ou vendem o exemplar. Carlos Drummond de Andrade, se não me fraqueja a memória, fazia isso, com a delicadeza de tirar e guardar a folha de autógrafo. 

Havia na Espanha, o Libera Libros, projeto de fomento à circulação de escritos. Seus adeptos consumiam e depois deixavam os volumes em lugares públicos. Antes, porém, colavam etiquetas fornecidas pelo site do grupo nas contracapas, com código de monitoramento, como anilhas em aves migratórias, e instruções a quem os encontrasse. Os felizardos eram impelidos, no tal rótulo, a informar onde os localizou e a deixar que seguissem o fluxo.

Então, não se ofenda com o desprendimento da moça, “Poet! My Poet!” – roubo a expressão de Charles Phelan, advogado, bardo e professor, que costuma me cumprimentar assim, brincando com o “O Captain! My Captain!”, de Walt Whitman. Ela, decerto, quis compartilhar o deslumbre de seus versos. Faça o mesmo, devolva ao seu livro as rédeas do destino. Ele ainda tem muitos olhos para ler e muitas almas para encantar pelo meio do mundo.



sábado, 12 de fevereiro de 2022

TOME O RUMO DA VENTA, CRIATURA!

 Frequento redes sociais desde o começo delas no Brasil. Tive IRC, Orkut e circulava pelos bate-papos do UOL. Muito antes, ouvia conversas no 145, o “disque-amizade”, fui PX e radioamador. Aprendi até a telegrafar com o professor Eugênio Silva Filho, no QRV Clube, ao lado de dois gênios daquela arte, Xavier Júnior e Emerson Azevedo Júnior. Sempre gostei de confabular, e alguns mecanismos facilitavam a vida do menino tímido.

A contar dos primórdios, especialmente depois que a Internet superou o grito, o tambor, a fumaça e o satélite, nunca invadi o espaço das pessoas ligadas a mim por esses elos invisíveis para falar ou escrever algo que não fosse edificante. Se discordo, não avanço o território alheio dizendo desaforos ou tentando impor meu modo de enxergar as pessoas, a religião, a política. No máximo, ofereço elementos para um debate saudável.



Minhas idiossincrasias nascem e morrem em ambiente próprio. Quem chega ao que produzo por estas bandas, vem de livre e espontânea vontade, suponho, porque gosta do que escrevo ou me tem por gente boa – Entre os tipos de jornalistas, segundo andei lendo por aí, há bons repórteres que são redatores sofríveis, ótimos redatores que são péssimos repórteres, os privilegiados que dominam as duas artes e os que são só gente boa.

Nunca temi críticas nem me ofendem pontos de vista discordantes. Do contrário, parodiando Drummond, não me contaria de peito aberto como quem grita, como quem despe a alma em praça pública. Alegro-me quando o leitor reage e fico triste, à moda Manuel Bandeira, se não tem “motivo nenhum de pranto”, de riso, de reflexão, de indignação. A única coisa exigida, em um ambiente civilizado, é a cordialidade no debate.

Em regra, não discuto comentários. Limito-me a “curti-los” em reverente agradecimento, sejam positivos ou negativos. Deixo para cada leitor a tarefa de garimpar as ideias em debate e formar sua opinião. Nunca, em hipótese alguma, vou a redes sociais de terceiros destilar impropérios. Quando surgem temas polêmicos sobre os quais desejo me posicionar, faço isso por aqui, com o zelo de não entrar na esfera pessoal de ninguém.

Mesmo assim, tenho me deparado com indivíduos que rompem as fronteiras imaginárias da Web e, embora sem vinculação às minhas mídias sociais, alguns escondidos por trás de identidades falsas, tentam me constranger com indelicadezas. Certa feita, vi-me obrigado a “privatizar” o Instagram e o Facebook, pois, além de agressões gratuitas, robôs passaram a disparar contra mim e meus amigos, a ponto de fazer eu me sentir na Matrix.

Estranho. Freudiano, talvez. Se fulano ou beltrana não gosta de quem sou, do sobrenome que tenho, da minha descrença ou ideologia, do que penso, da prosa e do verso que entorno pelos bares, da coragem de quebrar tabus e da louca paixão pela liberdade, por que cargas d’água perde tempo comigo? Crie tenência, criatura, tome o rumo da venta, porque a única resposta que terá de mim será a eloquente explosão do silêncio.

terça-feira, 1 de fevereiro de 2022

LÁ VEM O SOL ou TERÇA-FEIRA, 1º DE FEVEREIRO DE 2022

 Não devo reclamar da vida. Afinal, se passo por dificuldades financeiras, isso se deve a incompetência de minha parte, por nunca haver me preocupado com cargos, bens e valores. Desde que resolvi caminhar com as próprias pernas, lá pelos 17 anos, raros foram os períodos de tranquilidade financeira. Também, com as minhas inconstâncias matrimoniais e suas repercussões econômicas, como diabos alguém prosperaria?

O fato é que estou aqui, às 4h02min, segundo me diz o relógio do computador, sem conseguir dormir, apavorado com as contas do início do mês, o vencimento do cartão de crédito e o estouro do cheque especial. A solução talvez fosse vender alguns livros e discos. Não, Cascudo, Florbela, Manoel de Barros, Dante, Foucault não têm nada a ver com isso. E os Beatles? Chico Buarque muito menos, no vinil que ainda toca com açúcar e com afeto.

Podia ter tomado uns tragos para entorpecer as ideais. Ontem foi segunda-feira e creio haver um restinho de Ypioca prata no congelador. Não deu. Acabo de sair da covid-19, após 13 dias de molho, completados hoje, e, apesar de já assintomático, optei por protelar o retorno às atividades etílicas até o final de semana. Além disso, não pareceu que cachaça cairia bem, porque é só pensar na garrafa para a saliva descer gritando “u-ís-que”!

A grana por enquanto não dá para o uísque, cuja idade diminui a cada ano. Privilegiemos a Cosern, que mensalmente nos assalta com suas bandeiras amarelas e vermelhas, que chegam a aproximadamente 20% do valor da fatura. Ah, nem vou dizer da gasolina, que não demora vai bater os R$ 8,00 – oito contos, como afirmaria Abimael do Sebo Vermelho. O carro está na garagem e só circula em momentos necessários ou especiais.

Quando concluí o curso de direito e superei o Exame da OAB, pensei que os tempos incertos do jornalismo transformar-se-iam em lembranças engraçadas – fiz até essa mesóclise para intercalar a saudade que sinto dos salários atrasados do O Mossoroense –. A advocacia é uma gangorra para quem não tem clientes fixos nem desenvolveu o espírito empreendedor, a exemplo deste indivíduo que vos escreve, ainda insone, já às 5h00min.

Tudo bem. Não me queixo. Ainda jovem, no verdor da adolescência, li Francisco Otaviano e decidi não passar pela vida em branca nuvem.  Se me faltam tostões a esta altura do campeonato, sobram-me lembranças de amores e madrugadas, patrimônios imateriais da boemia, sem dizer do talento para cultivar ilusões no terreno seco dos desenganos. Espera! Deixa abrir a janela. É, o Sol nasceu pálido, mas os pássaros garantem a claridade.